De vez em quando gosto de pensar que existem dois tipos de leitores no que respeita a BD de super-heróis: os que gostam do Super-Homem e os que inclinam-se para o Batman. Uns preferem seres maiores que a vida, dotados de poderes divinos, envolvidos em situações onde, permanentemente, o destino da realidade é posto em causa - estes são os do Super-Homem. Os de outra qualidade preferem heróis realistas, que poderiam existir no nosso mundo e que, diariamente, travam uma luta desesperada e trágica contra o cinza do crime nas cidades - estas são as do Batman. Antes de continuar, os fãs de BD que me perdoem a excessiva compartimentalização. Obviamente que a apreciação da arte não passa por este preto e branco excessivo. Mas, ainda assim, existe aqui algo de verdade.
No que me toca, sempre pendi mais para o lado do Super-Homem e o Thor, livro e personagem que me trouxeram a este post, tende claramente para o lado cósmico do arquétipo do super-herói. Neste sentido, este primeiro volume do trabalho de Jason Aaron e Esad Ribic é um soberbo exemplar da capacidade que a BD tem em superar os limites da Prosa e do Cinema e contar uma história verdadeiramente cósmica em escala, linguagem e alcance. O enredo atravessa o tempo e o espaço, focando três épocas da vida do Deus do Trovão enquanto este confronta um ser demoníaco e hiper-poderoso cujo objectivo é claro no título do livro: exterminar todos os panteões de deuses do universo. Ênfase em universo. Pela primeira vez (pelo menos tanto quanto é do meu conhecimento) aparecem nas páginas do personagem outros panteões que não apenas os terrenos. Aaron delicia-se em criar múltiplos deuses, espalhados pelos cantos do cosmo e alvo da adoração de uma multitude de povos alienígenas. Para completar o quadro, a linguagem tipicamente visceral que costuma aplicar aos seus diálogos e exposições é aplicada a longos momentos de exploração cosmogónica. Existe prazer nesta descoberta, particularmente deliciosa para quem o lê, tendo em consideração outras obras mais "urbanas" que caracterizaram anteriores explorações do autor (portanto, estilo Batman): Wolverine e Punisher, por exemplo. A aproximação rude que Aaron faz aos personagens, que geralmente são duros e másculos, aplica-se na perfeição a Thor, que podemos ver como o guerreiro definitivo. De facto, existe no personagem e no autor uma salutar combinação, como se ambos tivessem destinados em se encontrar. Visceralidade misturada com Divindade, à boa maneira do povo que adorava Thor, os Vikings.
No que respeita ao trabalho da Panini e do tradutor Felipe Faria, só posso dedicar os mais sinceros elogios pelo excelente trabalho. Os últimos anos e Portugal têm sido alvos de um enorme profissionalismo no que respeita à publicação de BD em geral e americana em particular. Quase que fico com pena de não existir uma edição em formato maior e com capa dura para que a escala cósmica do conto e a belíssima tradução possam ser adorados com ainda maior entusiasmo. São trabalhos destes que dão gosto ler e comprar. Muito recomendável, quer para os adoradores do lado do Super-Homem, quer para os do Batman.
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