Hoje completo a primeira fase desta rubrica. Há cerca de um ano atrás, alguém pediu no FB para que escolhêssemos dez BDs que tivessem sido marcos na vida. Hoje chego à décima e mais recente: O Quarteirão Longínquo de Jiro Taniguchi. Conheci este autor em dois momentos distintos. O primeiro foram as publicações da Levoir, através das suas Novelas Gráficas, e o segundo uma ida a Angoulême, ao seu conhecido Festival de BD, e uma exposição comemorativa do trabalho do autor japonês. Foi um amor instantâneo que apenas se consolidou com a leitura desta obra que, junto com o Zoo De Inverno (um dia falo dela), são as minhas BDs favoritas de Taniguchi. 


Não acontece muitas vezes. Alguém sentir-se de tal forma tocado por um livro que lê, por um filme que vê ou por uma comida que saboreia, e a palavra "obra-prima" aparecer a correr pelos lábios. Mesmo sem ter acabado o livro ou o filme ou ter engolido o pedaço de comida. Aconteceu-me enquanto folheava Quartier Lointain, um livro tão arrebatador (no que a mim diz respeito) que dificilmente pude conter o entusiasmo. De tal forma que fiz algo que raramente faço: demorei mais tempo a lê-lo, como se quisesse reter-me naquele mundo, como se quisesse que as palavras e o desenho fossem absorvidos com calma e degustação, para que nenhum sentido oculto pudesse escapar-me. 

Acredito que as minhas viagens ao Japão muito terão contribuído para a leitura deste livro. Acreditem que esta ida para tão longe transformou alguma coisa em mim. Contudo, se não quiserem acreditar nestas revoluções de meia vida, acreditem apenas que estive numa cultura verdadeiramente diferente da nossa portuguesa e da nossa ocidental. Obviamente que de forma alguma é necessário ir ao Japão para ler e adorar este Quartier Lointain. Falo apenas da minha experiência. Em terras nipónicas existe uma calma e um silêncio que apenas pode ser absorvido lá estando. Tudo aparenta demorar o seu tempo (claro que não é assim, mas falo de sensações). A obra de Taniguchi não podia ser outra coisa que não japonesa. Não existem demonstrações grandiloqüentes e barulhentas de eventos e emoções. As coisas acontecem, mas com um sussurro, de forma serena.

A força desta obra (de cujo enredo não vou revelar nem uma linha porque tive a sorte que acontecesse assim comigo) é que ela parece existir numa terra onde encontram-se desejos cumpridos e uma viagem para a maturidade, o que acaba por construir um livro ao mesmo tempo cativante e profundamente revelador. Talvez seja a idade onde me encontro, mas Quartier Lointain parece talhado para esta minha fase da vida. Uma elegia à juventude, que cada vez mais estende-se nos anos, e um elogio à vida adulta. Isto relatado com a sensibilidade de um exímio contador de histórias que, não por acaso, é japonês.

Como disse acima, isto não acontece muitas vezes: encontrar algo que, para nós, é uma obra-prima. Aconteceu-me com o Sandman de Gaiman, com o Blankets de Thompson, com o Homem-Aranha das duplas Wein/Andru e Lee/Ditko, com a Diana de Pérez. Depois de tantos e tantos anos a ler BD voltou a acontecer. Que absoluta maravilha. 

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