Dr. Sleep (Dr. Sono) de Mike Flanagan

Produzido pela Warner Bros. e realizado por Mike Flanagan, Dr. Sono é a sequela do lendário filme de Stanley Kubrick, The Shining. Como muitos, desconfiei desta premissa. The Shining é mais do que apenas Cinema, o que é um lugar reservado a apenas algumas obras da sétima arte. O filme de 1980, na forma como vejo estas coisasé uma peça de arte tão relevante quanto a Mona Lisa de DaVinci ou o D. Quixote de La Mancha de Cervantes. Apesar deste ser a adaptação do romance homónimo de 1977 de Stephen King, o prolífico escritor de, entre muitas outras coisas, terror, Kubrick de tal forma alterou a premissa original que pouco mais ficou que a sua própria visão. É a prova de que um realizador com um ponto de vista  muito próprio consegue transformar um argumento ou uma história em algo que espelha mais a sua forma de ver o mundo do que propriamente a do autor original. Ora, exactamente por isso Stephen King não é fã do The Shining do cinema.

Anos depois, percebo o ponto de vista de King.

Não li nenhum dos romances que deram origem a estes dois filmes, mas fica claro, com este Dr. Sono, que, se esta adaptação é mais próxima da visão do escritor, e ele já o assim o corroborou, é impossível pensarmos que o filme de 1980 e este coabitem um mesmo universo. Dr. Sono é um filme de terror nos moldes mais corriqueiros (e não assumam esta afirmação como uma crítica), com uma premissa que, achei curioso que assim o fosse, é uma mistura de X-Men e Horror. Sim, leram bem, X-Men. Não estragando rigorosamente nada do enredo, com Dr. Sono, e ao contrário de The Shining, é esclarecido todo e qualquer mistério que ficasse por resolver do primeiro. O que é o Hotel Overlook. O que é o Shining. Quem é o jovem Danny (que, aqui, é interpretado, na vida adulta, por Ewan McGregor). O que aconteceu ao seu pai. Quem são as figuras fantasmagóricas como a idosa na banheira, as gémeas, etc. Tudo é revelado. E, se não houvessem mais razões, bastavam essas para perceber que estamos a ver dois filmes antagónicos. Isto acaba por funcionar como um aviso à navegação e ao preconceito. The Shining permanece intocável, porque Dr. Sono é uma obra completamente dissociável dele - por exemplo, o filme faz o recast das personagens mais emblemáticas, a começar pelo miúdo, mas, e principalmente, de Jack Nicholson e Shelley Duvall. O que poderia ser um pecado, a meu ver distancia totalmente este da obra-prima de Kubrick.

Mike Flanagan é um competente, mas não genial, realizador, com provas dadas no horror (Occulus, Jogo Perigoso). Com Dr. Sono não abrilhanta, mas também não prejudica, a história e o enredo, as verdadeiras estrelas do filme, sendo escorreito sem demasiados floreados. Como já referi, acompanha um Danny adulto e, ao mesmo tempo, descortina quem é a personagem, que poderes são os seus, de onde provêm, e coloca-o à prova ao confrontá-lo com indivíduos da sua "espécie". Essa linha de história é contada de forma fluída, entretida, fazendo passar as duas horas e meia do filme sem chatear. Faz várias alusões a momentos e locais do The Shining, como não pode deixar de ser, e, no final, saímos agradavelmente satisfeitos, sem termos sido arrebatados. O que já é dizer muito.

Este é claramente um produto que pretende, ao mesmo tempo, capitalizar no sucesso da obra de Kubrick e apaziguar King, ao adaptar mais fielmente o seu trabalho. É, claramente, mais o segundo que o primeiro. Dr. Sono é de tal forma diferente de The Shining que, repito-me, estamos a falar de dois filmes diametralmente opostos, em que, só por acaso, os nomes das personagens são os mesmos. 

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