Será que existe uma idade certa para começar a pensar na morte, na mortalidade? Será que existe uma idade certa para começar a temer a escuridão final, a incerteza do que se passa depois de fechar definitivamente os olhos? Será que existe um momento certo para a sabedoria que vem com a clareza da proximidade da morte?
Lucky de John Carroll Lynch, com Harry Dean Stanton num papel gigantesco, é um filme soberbo, uma peça de arte realista e poética. É algo que apenas o cinema pode ser. É um tratado de silêncios, de humor, de vida e de morte. É a história de um homem no fim dos seus dias, não porque tenha qualquer tipo de trágica doença terminal mas porque o corpo está a chegar ao fim do funcionamento, como uma máquina que já preencheu todos os dias da vida útil. É a crueza da natureza que "apenas" nos dá mais ou menos 80 anos para sermos qualquer coisa - feliz de preferência. Este homem vive numa comunidade rural dos EUA, circunscrevendo a vida a rotinas diárias de que gosta, sem ter perdido a curiosidade para a aprendizagem. Esta não é a história trágica de um velho solitário que encontra redenção nos últimos anos da vida. Antes é de alguém que viveu a vida sem sobressaltos e, aparentemente, sem arrependimentos. Mas, ainda assim, não quer deixar o mundo e sente saudades dele e do que um corpo jovem lhe permitia fazer.
O realizador escolhe uma abordagem quase europeia, cheia de silêncios que permitem ao espectador a absorção serena dos momentos. O código genético não deixa, felizmente, de ser americano e a história é contada de forma calma mas decidida, deixando-nos respirar e, principalmente, à obra. O também actor John Carroll Lynch parece ter aprendido algo dos melhores (David Lynch é actor neste filme) e consegue oferecer-nos uma realização discreta mas poderosa.
Lucky é, no que a mim diz respeito, um dos melhores filmes a estrear nas salas portuguesas em 2017. Verdadeiramente obrigatório!
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