O género super-heróis açambarca uma percentagem significativa de vendas de Banda Desenhada nos EUA desde há muitas décadas. É o produto por excelência da BD das terras do Tio Sam, o que vende mais, o que conseguiu, ao longo de sete décadas, numa mistura de qualidade, sensibilidade pop e puro entretenimento, controlar o mercado de vendas. Não obstante, foram muitas as editoras a tentar subverter este quase monopólio. Uma delas é a Image, que começou, na década de 90, pelos super-heróis, com sucesso relativo. Mais recentemente, entre meados da primeira década do século XXI e o início desta, apostou num caminho bem diferente, o da diversidade temática e liberdade artística. Paulatinamente, foi adoptando autores com visões particulares, que vieram partilhar obras únicas no mercado, um pouco na senda e na herança do que a DC Comics fazia com uma sua imprint, a Vertigo. Desta Image nasceram Saga de Brian K. Vaughan e Fiona Staples, East of West de Jonathan Hickman e Nick Dragotta, entre muitas outras coisas. Foi ganhado velocidade, sucesso a sucesso (mas, ainda assim, relativo, tendo em consideração o ainda controlo absoluto por parte dos super-heróis), e multiplicando o número de pessoas a quererem cerrar as suas fileiras e a trabalhar as suas próprias criações. Acima der tudo, não só continuou a abrir o caminho do Autor, no sentido mais francês do termo, como diversificou a oferta ficcional e narrativa na BD dos EUA.
Eis que surge um novo produto Image, Monstress, das autoras Marjorie Liu e Sana Takeda, uma obra que mistura sensibilidade Comic com Mangá, num mundo de fantasia construído de raiz com riqueza carnavalesca. Liu e Takeda conseguem, com esta narrativa, criar um mundo que, apesar da vestimenta sobrenatural, respira e parece tão real quanto o nosso. Perdem tempo a construir história, facções, geografias, num processo de worldbuilding na mesma veia de Tolkien ou George R. R. Martin, apenas para citar os dois exemplos mais conhecidos popularmente. Este é um mundo ao estilo Renascentista e Steampunk, com inclinação romântica e aventureira e com personagens essencialmente femininos (outra das "manias" da BD dos EUA é ser feito por homens e para homens). Todos dançam a dança da guerra, da Sombra que se aproxima, do confronto entre povos e facções diferentes, emersos numa Cosmogonia que as autoras constroem com veracidade e solidez. É rico em palavras e em desenho, sendo que o trabalho de Takeda, especificamente, ainda que a necessitar um pouco de melhor construção narrativa (o ritmo nem sempre é vencedor), é forte o suficiente em design de personagens e cenários e carrega a narrativa de Liu. Os protagonistas, apesar de pareceram pouco mais que arquétipos de Fantasia, aguentam-se graças ao trabalho das autoras e à novidade que este tipo de história representa (pelo menos para mim) no catálogo da Image. Novidade essa que é bem vinda tendo em consideração o que referi no primeiro parágrafo.
Monstress cheira a novidade e a perspectiva diferente. Não deverá ser só de super-heróis e testosterona que a BD dos EUA deve viver. Eu, que gosto deles, agradeço.
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