É complicado descrever as sensações que experimentava ao ver a série de TV Os Boys. Acabou na passada quarta-feira, dia 31 de Outubro de 2016, a primeira temporada, composta por 13 maravilhosos episódios. Deu na RTP 1, é 100% portuguesa e está disponível na RTP Play caso queiram-na ver ou rever. Mas quais eram as sensações, perguntam vocês? Esperem apenas um pouco mais.
A primeira cena do primeiro episódio prepara-nos para o que aí vem. O personagem principal, César, um "facilitador" do Governo (interpretado por Filipe Duarte), chega do Brasil e escolhe o táxi para deslocar-se ao local onde terá um encontro ainda essa noite. O taxista, enquanto se demoram na viagem, discursa sobre os políticos, em como são uma cáfila, todos iguais independentemente da cor política, apenas interessados em "se safarem a si mesmos". César ouve atentamente e, no final, pergunta ao taxista se não andará ele ao mesmo do que os odiados políticos. O condutor não percebe até que César aponta que este o terá levado pelo caminho mais longo enquanto falavam. Andamos todos ao mesmo.
Os Boys é um sátira, uma análise jocosa do pântano da sociedade política portuguesa, com os vários partidos, com os empreiteiros, com os advogados, com uma cáfila que pouco mais faz do que tecer e urdir teias crescentemente engenhosas para fazer valer nada mais do que os seus interesses. A Democracia e a vontade de um país são acessórios e acidentes de percurso. Ou melhor, vontades a serem manipuladas. A forma como a narrativa é contada é tão portuguesa que dói. E aqui chegamos às sensações que eu disse experimentar ao ver esta série de TV. Por estarmos a falar de uma sátira, o humor é obrigatório estar presente em cada linha de diálogo e em cada arquétipo de personagem. Contudo, como em qualquer boa sátira, a verdade não está longe da história, antes é o seu DNA, impregna cada frase e cada parágrafo. Assim passa-se com Os Boys, ao ponto de entrar, sorrateiramente, uma outra sensação: a da ansiedade. Um dos segredos desta série é de que, infelizmente, sabemos no coração dos nossos corações, no fundo dos nossos fundos, que tudo se passa assim mesmo, nesta atemorizante despreocupação, nesta sociopatia da classe dirigente. Escondida na gargalhada está a vergonhosa realidade, um teatro pantanoso onde brinca-se aos países e vinga-se no clássico "salve-se quem puder". Um retrato aterrador.
Os Boys é um herdeiro de Sim, Senhor Ministro, ou de séries mais recentes como a maravilhosa Veep. Escolhe o humor para, de forma acutilante e certeira, fazer valer um ponto de vista corrosivo, negro e humorístico. Actores e realizador (um tal de John Doe) dançam por diálogos e personagens cheios de pontaria, escritos por, entre outros, Mário Botequilha . Foi das melhores séries de TV alguma vez produzidas em Portugal e rezo para que alguém a tenha visto e, assim, podermos continuar a acompanhar o circo da política. Voltarei a dedicar-me a ela porque acho que merece cada linha e cada reflexão. Até lá, façam-se um favor e vejam-na. Vale cada minuto ali passado.
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