O que vou lendo! - El Hijo del Legionario de Aitor Saraiba

(dedicado ao Rui com um obrigado)

Existem amigos assim. Daqueles que partilham de uma paixão connosco e que, apesar dos anos que já passámos a amar essa paixão, conseguem tirar da cartola algo que nos surpreende. A BD é a minha arte favorita, aquela a que regresso quando preciso do conforto do familiar. Mas não só. Ela ainda e sempre consegue reavivar o meu entusiasmo com algo diferente, uma linguagem ou um tema novo, uma história que não se fica pelo "been there, done that". Noutro dia, alguém passou-me para as mãos este El Hijo del Legionario de Aitor Saraiba. Não era BD mas também não era ilustração. Era um filho de ambas e, claro, algo completamente diferente. Um híbrido que não interessa classificar, apenas apreciar. Uma linguagem que o autor encontrou como a certa para a sua mensagem.

Este livro faz parte de uma já longa tradição de autobiografias produzidas usando a linguagem da BD (que, sim, não é a desta obra). Aitor Saraiba escolhe o desenho infantil, enganadoramente de primária, para contar a história de uma parte significativa da sua vida, focando-se na difícil relação com o pai e na adolescência conturbada, esta de descoberta da sexualidade e da sua inclinação profissional e artística. Ao recorrer a este tipo de ilustração a mensagem transforma-se e adquire um verniz trágico e doloroso. A evocação é óbvia, a de uma criança a expressar os seus sentimentos através do desenho escolar, mas não é menos eficaz nem tampouco menos pungente. Bem pelo contrário. É mais sublinhada e conturbada e, acima de tudo, mais clara. Mesmo os que nunca foram pais (como eu) sentirão um aperto do coração no casamento de desenho e texto que Saraiba maneja de forma exemplar nesta sua obra tão pessoal. A sensação de perca e desalinho estão bem patentes em cada traço e em cada frase. O talento do autor para descrever a sua vida com urgência e uma quasi-subjectividade (que não é possível mas tentada) é comovente e enternecedora.

Não é possível sair ileso da leitura deste livro tão pessoal e, ao mesmo tempo, tão universal na sua mensagem e no seu sentimento. Uma obra que carrega a personalidade e vivência do autor sem desculpas ou atalhos. Atrevam-se a não ficar engasgados com as páginas do evento mais doloroso de todo o livro.  

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