Dr. Strange de Scott Derrickson (Dr. Estranho)

Já tinham ouvido falar do Dr. Estranho? Sim? Se não são leitores de Banda Desenhada, da Marvel e, mais especificamente, de super-heróis, então dou-vos os parabéns. Já agora, conto-vos um segredo: mesmo os experimentados podem não conhecer de forma aprofundada a personalidade e aventuras do mestre das artes místicas. O personagem apareceu, pela primeira vez, em 1963 graças à imaginação de Steve Ditko (desenhista credenciado como o principal criador) e de Stan Lee - ambos também os responsáveis pela criação do maior personagem da Marvel: o Homem-Aranha. A revista foi a Strange Tales número 110 e relatava a história de um cirurgião egocêntrico, Stephen Strange (a aliteração e referência on-the-nose é típica de Stan Lee), que sofre uma lição em humildade quando, vitima de um acidente rodoviário, perde o uso funcional das mãos, essenciais para a actividade que exerce. Na busca de medicinas alternativas que o ajudem à cura, encontra nos Himalaias um idoso de nome Ancient One que o guiará no caminho das artes místicas, abrindo caminho para que Strange transforme-se no Mago Supremo deste universo. Pela influência da estética de Ditko, as aventuras originais do Dr. Estranho são uma viagem alucinogénea por reinos psicadélicos onde as leis da nossa física não se aplicam. Infelizmente, o desenhador sai em confronto com Stan Lee mas, claro, o Dr. Estranho continua nas mãos da Marvel. Ao longo dos anos serão vários os criadores que trabalham nos labirintos esotéricos do mundo das artes místicas, com resultados de qualidade variante. Não será um personagem de publicação regular já que nunca é dos favoritos dos leitores da Marvel. Ainda assim é dos mais importantes do panteão da editora, o que claramente justificou a sua introdução no universo cinematográfico.

A produtora de filmes Marvel possui uma arte que tem auxiliado no sucesso dos seus filmes, isto apesar do relativo anonimato dos personagens: o casting. Foi a capacidade de perceber que Robert Downey JR era um Tony Stark/Homem-de-Ferro perfeito que catapultou o sucesso destes universos. Agora é a vez de Benedict Cumberbatch como Stephen Strange/Dr. Estranho. O actor britânico, com o seu carisma e talento, foi uma escolha mais do certa... foi óbvia. Ainda que a interpretação do Dr. Estranho escolhida seja bastante diferente da concebida por Ditko/Lee e por muitos dos autores que seguiram as suas pisadas, a mudança não choca, bem pelo contrário, parece melhorar alguns aspectos menos interessantes do original. Enquanto o Stephen Strange da BD era soturno, sério, como deveria ser um personagem que lida nas artes esotéricas e existenciais, este é cheio de humor, one-liners e tantos outros deliciosos momentos de riso - aliás, provavelmente é o mais humorístico de todos os filmes da Marvel competindo mesmo com o primeiro Avengers. Claro que os puristas podem sempre advogar que se era para ter uma versão feiticeira de Tony Stark mais valia não haver esforço. No que a mim diz respeito, ainda bem que decidiram tornar mais leve a personalidade de Stephen Strange sem, contudo, perder o mais importante aspecto da origem concebida pelos criadores: uma lição em humildade. Em todos os aspectos, Benedict é uma escolha fabulosa para a Marvel e, como já li algures na internet, "nasceu uma nova estrela". 

Mas não é só de Benedict Cumberbatch que o Dr. Estranho vive. Outra das escolhas deliciosas é Tilda Swinton como Ancient One, a mentora do protagonista, o mestre que o guiará na busca de redenção e de arte. Todo o poder e gravidade exigidos a um personagem destes são veiculados pela actriz, uma das melhores de qualquer geração. Por seu lado, Chiwetel Ejiofor faz de um competente Dr. Mordo, ainda que não seja uma revelação. Finalmente, chego ao velho problema dos filmes da Marvel: os vilões. Esse continua a não ter solução neste Dr. Estranho. Mads Mikkelsen é um dos grandes actores que fazem parte do elenco do filme (lembrem-se de A Caçada e Hannibal, a série de TV) mas, ainda que existam laivos de um passado trágico, o seu personagem não evolui muito para além do "antagonista que tem de ser derrotado". É muito mais competente que os inimigos bidimensionais do Guardiões da Galáxia ou do Homem-Formiga, para citar dois exemplos, mas, infelizmente, não demarca-se o suficiente. 

Uma das grandes vitórias deste filme são os  efeitos especiais. São usados de forma bastante criativa, emulando o trabalho de Ditko, outro de autores mais recentes que colaboraram com o escritor Brian Michael Bendis, e filmes como o óbvio Inception de Christopher Nolan. Indutores de vertigem, funcionam como viagens psicadélicas pela multitude de universos e realidades disponíveis à futura imaginação dos criadores do universo cinematográfico da Marvel. Infelizmente, do lado da realização continuamos no reino da normalidade quase tarefeira. Um filme da Marvel é sempre um filme da Marvel e, salvo pequenos pormenores, este continua a sê-lo. É uma marca e quem não gosta tem uma opção: não os ver. 

Dr. Estranho é dos filmes mais divertidos da Marvel (lá em cima com os Vingadores, no que a mim diz respeito) e um dos mais entretidos do ano. Benedict Cumberbatch é uma escolha certeira e bem-vinda aos super-heróis da 7.ª Arte. 

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