Shan he gu ren de Jia Zhang-ke (Se as Montanhas se Afastam)

Não é novidade para ninguém que a China é um dos potentados económicos que têm (re)emergido nas últimas décadas - quem leia um pouco da História económica mundial sabe que ela deixou de o ser apenas no século XX. Mesmo que, paradoxalmente, viva num regime dito comunista não deixa de ser uma força capitalista de vigor impressionante. A cinematografia deste país começa a reafirmar-se não só com realizadores ou mais pop, ou mais de "regime", construindo uma relevância que começa já a ser notada pelos EUA (o segundo maior mercado dos blockbuster, por países, é já a China), como também deixa que filmes como este reflictam sobre o seu crescimento e abertura comercial ao mundo. O realizador Jia Zhang-ke já nos tinha dado a conhecer uma reflexão sobre esta China do século XXI com China - Um Toque de Pecado, um dos filmes que mais gostei em 2013. De forma e conteúdos bastante diferentes volta a falar-nos do mesmo tema, de um pais em evolução, focando três períodos que centram-se literalmente no passado (1999), presente (2014) e futuro (2025). 

A história centra-se em três amigos, dois homens e uma mulher, um triângulo, sim, amoroso, mas que depressa evolui para incorporar camadas e tensões que vão para lá do romance. Deste triângulo nascerá um filho que, nas sequências do presente e futuro, será um quatro personagem, reflexo desta evolução económica e da necessidade de globalização subjacente ao crescimento da China. O realizador consegue entretecer dramas familiares com a afirmação deste país e com a evolução necessária dos seus habitantes a uma nova realidade. As montanhas afastam-se, a China deixa de ser a Terra do Meio, fechada ao mundo na sua cultura, na sua ideologia. Mas poderá perder a conexão à figura materna, quer seja literal, na forma da mãe e do filho do poster, quer seja metafórica, nas figuras da cultura e do idioma. Se a realização não é das mais inspiradas, a história possui uma projecção e reflexão que tornam este filme um dos mais interessantes do ano. Escrito com parcimónia e sem respostas fáceis, trata-se de um espelho erguido à imagem da China do passado, do presente e (quem sabe ) do futuro, para que esta possa melhor projectar o caminho que segue e reflectir sobre o que deixa para trás. Para nós, que a observamos de fora, é um documento interessante sobre um país e cultura que é, ao mesmo tempo, estranho e atraente. 

Diz-se que a China poderá ser para o século XXI o que EUA foram para o XX. Este filme ajuda-nos a compreender isso, do ponto de vista económico, social e artístico. Arrisco-me a dizer que vê-lo é essencial.

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