Este não é um filme de Natal.
O novo do realizador Zhangke Jia é uma visão da China atual, um país que,
paulatinamente, desperta da sua antiga condição e afirma-se para a modernidade.
O filme é composto por quatro episódios passados em diferentes pontos do território
chinês e todos eles, de uma forma ou de outra, envolvem incidentes de violência
(alguma extrema). Viajamos da China do “sonho
comunista”, a da reforma agrária, até a consumista e capitalista, a que se presta
a abandonos hedonistas possibilitados pelas fortes diferentes socioeconómicas entre
os seus habitantes. Aqui, obviamente, reside a alma deste impressionante filme.
Aqui reside o pecado de que o realizador acusa a China de perpetrar.
O espectador fica devidamente avisado do que
pode esperar logo na primeira cena, em que um assassinato é levado a cabo de
forma clara, decidida e rápida. Este assassinato acaba também por sublinhar a temática
do filme, porque aqui não se mata por hedonismo e puro prazer, não existem
coreografias aéreas em que a “beleza da violência” é ritualizada.
O primeiro episódio de China, um toque de pecado funciona, por seu lado, não só como um
aviso à navegação como uma canção de amor ao cinema. Um homem de uma classe socioeconómica
baixa do interior da China sente-se abandonado pela promessa da divisão das
riquezas por todos, defendida pelo sonho comunista. Haviam prometido a si e a
uma aldeia inteira uma divisão dos lucros de uma mina adquirida e, quase
ingenuamente, defende vocalmente que essa promessa seja cumprida. O que se
segue é, não só, o primeiro episódio assumido da violência extrema, como um
piscar de olho a uma das grandes exportações do cinema americano: o filme de
cowboys com cheirinho de vingança.
Existirão mais três histórias, a de um
assassino a soldo (ou assim achamos que seja), a de uma amor entre um casal
jovem, envolvido na cena da prostituição de luxo, e a de uma mulher envolvida
com um homem casado. O filme acaba com um olhar acusatório. A quem? Isso já
tenho as minhas duvidas. Será dirigido a mim ou à China?
China,
um toque de pecado não é fácil, nem deverá ser visto por
olhos menos sensíveis, mas é também um filme obrigatório para começar a perceber
quem é este importante jogador (por ventura o mais importante) do jogo que se
joga nos nossos dias. Que cultura e desejos impelem este povo milenar para a
frente. Numa população que chega aos 1,3 mil milhões, este filme é apenas a visão
de um deles mas, geralmente, o artista tem a objectiva que clarifica e este poderá
ser uma dessas limpezas de olhar.
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