O que vou lendo! - A Asa Quebrada de Antonio Altarriba e Kim

É curioso que o catalão Antonio Altarriba, escritor deste livro, tenha sido chamado à atenção para escrever sobre a sua mãe. No ano passado e na primeira iteração desta fabulosa colecção da Levoir, Novelas Gráficas, foi lançado em Portugal A Arte de Voar, pelos mesmos autores. Nesta obra, o escritor decide contar a história rocambolesca da vida do pai, retratando a mãe não só como uma personagem coadjuvante mas também como alguém negativo na vida do progenitor. Numa conferência sobre o livro alguém da audiência pergunta a Altarriba uma simples questão: "então e a sua mãe?". O facto de nunca ter-se dado conta desta "falha" e, posteriormente, de a reconhecer, acaba por estar patente no início deste A Asa Quebrada. No leito de morte da mãe (ambos os livros começam com o falecimento dos progenitores) é revelado a Altarriba uma deficiência física da mãe que ninguém, nem ele nem o pai, haviam se apercebido em tantos anos de convivência conjunta, deficiência essa que ela tinha desde nascença. Este apontamento (que de apontamento não tem nada) serve como prólogo para um livro que retrata a vida não só da mãe, mas das mulheres de uma forma geral, nesta sociedade ibérica, católica e ditatorial - estamos a falar de boa parte do período franquista. Numa sociedade altamente machista.

Enquanto a vida do pai parecia um redemoinho de política, militarismo e revolta social, parecendo mais do que um mero observador das várias evoluções em terras espanholas, este A Asa Quebrada fica nos arrabaldes dos eventos. A mãe trabalha de forma sempre afincada e honrada, funcionando como o mecanismo que faz a máquina da evolução social funcionar. Tudo de forma discreta e diligente. É também neste livro que vimos muito mais do próprio Altarriba. Porque nos focamos na mãe, a presença do autor, na sua juventude, é mais ubíqua o que, em si, é um forte comentário ao papel do homem e da mulher nesta sociedade da qual Portugal faz também parte. Desenganam-se os que acham que Altarriba elabora algum tipo de discurso panfletário. O escritor "limita-se" a ser documental - as aspas servem para enfatizar que, sim, reconheço existir sempre trabalho na escolha do que se relata. De facto, nenhuma das escolhas que faz são "meramente factuais". Enquanto em A Arte de Voar dividia os capítulos em períodos temporais na vida do pai, aqui espartilha a vida da mãe em homens, figuras masculinas relevantes na vida da sua progenitora. Obviamente que tendo em consideração a temática subjacente ao livro esta divisória é muito mais irónica que factual.

Altarriba, com o trabalho também absolutamente essencial do desenhador Kim, fecha assim um díptico sobre a vida de quem o trouxe ao mundo o que, obviamente, é sempre um relato também sobre ele mesmo. 

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