Os personagens de Jacques Audiard são marcados por eventos difíceis, catastróficos mesmo. A mulher que perde as pernas, um rapaz colocado numa prisão. Contudo, não deixam de ser mundanos, nunca revelações divinas (ou serão?). Neste seu novo filme (depois de Ferrugem e Osso) o evento catastrófico é o drama dos refugiados, emigrantes de um país devassado pela guerra, neste caso o Sri Lanka. É a história de uma família falsa que cria-se na areia e sangue do conflito e decide recomeçar em França. É a história de um homem, Dheepan, que tenta esquecer o passado violento do seu país e conviver com outro tipo de violência, esta mais urbana e, a seu ver, inofensiva, a dos subúrbios franceses.
A verdadeira história começa num momento curioso. Estamos habituados aos homens que, nos restaurantes, tentam vender-nos bugigangas a um euro. Esse momento é filmado por Audiard mas na perspectiva do vendedor que é obrigado a fugir quando sente a aproximação da polícia. A câmara não fica com os frequentadores do restaurante e antes acompanha os pobres homens para as suas camaratas, onde vivem amontoados com tantas outras famílias de emigrantes. Farto, Dheepan tenta uma nova vida como porteiro de um complexo de habitações sociais francesas. Junta a sua falsa esposa e a sua falsa filha e tenta construir dignidade, mesmo que rodeado pela violência de gangues ligadas ao tráfico de drogas.
Este novo de Audiard tenta ser vários filmes ao mesmo tempo e é por isso que não tem o alcance e o porte dos seus outros como O Profeta e o já referido Ferrugem e Osso. Começa por ser uma espécie de documentário, evolui para drama, romance, para crítica à segurança social francesa (contrapondo-a mesmo em relação à inglesa) e chega a entrar no thriller de acção. Esse desequilíbrio de estilos acaba por transformar o produto final em algo pouco seguro da sua identidade. Os actores estão maravilhosos, o argumento é interessante, mas o realizador optou por soluções narrativas que, a meu ver, são tantas que acabam por decidir-se a ser nenhuma. Não é de todo um filme desagradável mas está a anos-luz dos seus anteriores, principalmente do meu favorito, O Profeta.
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