Os pontos de vista! - Nie yin niang de Hsiao-Hsien Hou (A Assassina).

A Assassina de Hsiao-Hsien Hou, para quem não conhece o realizador, pode não ser o filme que se espera. Quem vai à espera de exuberância acrobática ao melhor estilo wu xiao ou wuxia, com lutas poeticamente coreografadas, sairá defraudado. Os códigos permanecem, subtis (ou não, para quem os conhece melhor que eu), mas este é um filme de genética autoral. Uma apropriação de cineasta, emprestando um prisma, um ponto de vista a uma narrativa que, para mim que apenas vi dois filmes deste realizador, parece-me longe do seu estilo habitual (vi O Vôo do Balão Vermelho e o belíssimo Três Tempos). 

Ponto de vista é uma referência apropriada.

O olhar. A opinião. A observação. Desde a sequência inicial, a preto e branco, sabe-se que a cromática escolhida não é apenas uma opção estilística. Como também não são os enquadramentos claustrofobicamente belos, a cinematografia arrebatadora, com diálogos de vermelhos, laranjas, azuis e verdes, combinados (por vezes no mesmo enquadramento) de forma harmónica e servil à narrativa. Mas não é apenas na cor que o realizador procura explorar o ponto-de-vista da protagonista, uma assassina com uma missão óbvia. A câmara funciona como olhos para a personagem, servindo-se de cortinas em primeiro plano, numa sequência especialmente deslumbrante, para explorar o voyeurismo e o julgamento que vai tecendo em relação à acção que movimenta o enredo e ela própria. Esta sinfonia de enquadramentos, de movimentos de câmara e de cinematografia são Cinema no seu estado puro, servindo-se menos da acção de artes marciais, que acontece em momentos muito rápidos, e mais no trabalho autoral do realizador. Não será por acaso que venceu o prémio de melhor realizador na edição 2015 de Cannes.

Contudo, nem tudo são rosas. Existe um certo distanciamento entre o espectador e o drama do filme. Provavelmente será intenção do realizador, que procura resolver as perguntas pertinentes da protagonista. Protagonista que quase não diz uma palavra, antes permanece à margem, objecto frio de observação, juiz e executor a decidir da sua imparcialidade, da sua humanidade. Este é o tipo de filme que termino sem ter plena certeza do que acabei de ver, se gostei muito ou apenas gostei. Há medida que estas palavras são escritas inclino-me mais e mais para o primeiro. Um filme tão belo e frio quanto a protagonista em vigia.

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