Um dos dons dos americanos é a sua capacidade de transformar entretenimento em "food for thought". Conseguem esconder, entre o carnaval e a pirotecnia dos efeitos especiais, da acção, do frenesim do movimento, reflexões relevantes, informações que ficam gravadas de uma forma (quem sabe) mais profunda. Esta é uma escola de narração que não foi inventada por eles (longe disso) mas que aprenderam a manejar de forma hábil. Claro que nem todos os contadores de histórias o fazem, nem todos têm sequer preocupação em fazê-lo e, mesmo dentre aqueles que têm, nem todos têm o mesmo talento. Ou melhor, nem todos o conseguem de forma clara (no fundo, sem parecer que o estão a fazer - é essa a essência do entretenimento com profundidade reflectiva, desculpem os palavrões). Ridley Scott, sendo inglês, conseguiu misturar o seu talento com as sensibilidades dos espectadores e produtores estado-unidenses e, ao longo de já quatro décadas, tem oferecido obras-primas da 7.ª Arte. Todos conhecemos o maravilhoso e histórico Blade Runner (que nasceu depois de ter assistido ao primeiro Star Wars), Alien - O 8.º Passageiro, Thelma e Louise, Gladiador (para mim, existe ainda o pouco conhecido Legend mas isso posso falar num outra altura). The Martian é uma obra que, não sendo de forma alguma revolucionária como algumas das anteriores, funciona dentro deste paradigma: entretenimento que nos faz pensar.
A história começa quando, numa missão espacial tripulada a Marte, um dos astronautas é deixado na superfície do planeta. Segue-se a capacidade de sobrevivência deste homem, munido "apenas" de vontade e das ferramentas da ciência e do conhecimento. Durante duas horas e meia, temos um tipo de filme de ação que baseia-se menos na capacidade atlética do protagonista e no virtuosismo desafiador dos princípios básicos da física e mais na verdadeira arma evolutiva humana: a inteligência e a capacidade que teve em traduzir a natureza em matemática e ciência. Apesar de versado nos normais engenhos do filme de ação e de grande orçamento Scott consegue bem mais do que isso. Um filme que não não envergonha de todo o seu currículo.
Matt Damon, o protagonista, continua a provar o seu carisma como "leading man", conseguindo sustentar sem esforço um filme que, provavelmente, com outro actor seria bem diferente. A sua natural simpatia encurta a distância entre o espectador e a situação rocambolesca e anormal porque passa, não só porque o argumento alicerça o drama deste homem em problemas bem humanos mas também porque Damon é naturalmente carismático.
Sem comentários:
Enviar um comentário