Existem as pessoas que acreditam
em mapas e depois aquelas que não acreditam. Que olham para um mapa, que sabem
da sua existência, mas insistem em renegar a sua ciência e em seguir (criar?) o próprio caminho. Por vezes, perdem-se. Outras vezes, não. A vida oferece-nos
as ferramentas para criarmos a nossa própria cartografia, para nos orientarmos sem guias e,
pode acontecer que, a meio do caminho, retira-nos essa capacidade. A geografia modifica-se
e o instinto que nos guiava deixa de funcionar. Como se o norte se deslocasse
mais para a esquerda ou mais para a direita. Quando isso acontece, se tivermos
força suficiente para nos esquecermos de nós mesmos, do nosso orgulho, teremos de nos deixar guiar por outros ou pelas
instruções geográficas de uma metafórica folha de papel desenhada por alguém
que não nós mesmos.
O personagem de Juliette Binoche
neste lindíssimo novo filme de Olivier Assayas é um personagem que odeia mapas,
que não acredita na ciência dos seus desenhos e na metódica exploração empírica
destas folhas de papel. Por isso, assumidamente balzaquiana, encontra-se em terrenos
em que o seu instinto não funciona, em que o que a tornava especial na sua
juventude agora requer outros olhos, outro tempo e outra paciência. Binoche é
uma actriz que nunca viu a carreira diminuir de importância mas cujo maior
papel teve aos 18 anos, a ponto de se identificar de forma visceral não só com
o personagem que representou como com o escritor que o desenhou. Na peça de
teatro que inaugurou a sua carreira desempenhava o papel de um de dois
personagens femininos envolvidos numa história de poder e sedução que culminava
num final ambíguo, mas que Binoche interpreta como trágico. Um jovem e inovador
encenador persegue-a até o velório do autor da dita peça para a convidar a
fazer o outro papel, o da mulher de 40 anos envolvida numa profunda crise de
identidade. Aceita, relutante, impelida pelos conselhos da jovem assistente
pessoal (interpretada por uma muito interessante Kristen Stewart) que considera
o encenador arrojado e moderno, assim como a jovem actriz com que Binoche contracenará
(Chloë Grace Moretz, maravilhosa no seu personagem acidente de carro).
Existe um profundo paralelismo
entre a peça de teatro e a vida de Binoche, bem como entre a relação com a
jovem assistente, com quem não só constrói uma relação que se desenha mais do
que apenas de amizade, como com quem tem acesas discussões filosóficas acerca
da intenção e interpretação da peça. Estas discussões, de forma muito interessante,
estendem-se a uma análise do valor do Cinema nos dias de hoje, do valor de
certas narrativas mais “modernas” e “populares”, quando comparadas com, por
exemplo, outras mais “antigas” e “eruditas”. A posição de Assayas parece-me
óbvia, aquela que qualquer artista de seu nome pode ter e que Oscar Wilde bem
explicou no prefácio d’O retrato de Dorian Grey: “There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written, or badly written. That is all.” Mas,
claro, cada um terá a sua interpretação.
Um filme brilhante sobre arte e mulheres.
Que bom quando o Cinema ainda é capaz destas coisas.
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