O Zeitgeist é uma coisa lixada ou porque é que a BD Prez e a série de TV Black Mirror são tão parecidas


É impossível escapar à tecnologia. Em mais sentido do que um ela está em todo o lado. Não só na versão “Big Brother is watching you” mas também pela ubiquidade com que ocupa o nosso dia-a-dia. Facebook. Twitter. Instagram. Pinterest. You Tube. Amazon. EBay. São tudo nomes de sites, nomes que a maior parte das pessoas reconhecem de forma imediata. E pior. Usam alguns destes todos os dias, várias vezes ao dia. Mas nada disto seria relevante da forma que é não fosse o advento de equipamentos portáteis, computadores transformados em telefone e tablets, que permitem, em qualquer lugar, estar ligado a tudo e a todos. O mundo não é uma aldeia. É a cabeça de uma agulha. Bem… na realidade não é. É extenso, infinito, microscópico e maior que qualquer etérea rede vista por intermédio de um ecrã luminoso. Mas… vamos admitir que sim.

Existem linhas de pensamento que atravessam o sentimento da sociedade. Algumas mais vulgarizadas, outras ainda a borbulhar no subsolo societal. A Arte tem tendência a ser das primeiras formas de expressão humana, se não mesmo a primeira, a apanhar esse sentir e a traduzi-lo para narrativa e interrogações. A série de TV Black Mirror, inglesa e um dos mais bem guardados segredos da cultura pop, apareceu e, aos poucos, foi sendo passada de boca em boca e vista de par de olhos em par de olhos. Soma um total de sete episódios, repartidos em duas temporadas e um especial de Natal de 2014. Literalmente: a qualidade suplanta (em excesso) a quantidade. Cada episódio passa-se num futuro que calculamos muito próximo e onde um aspecto da tecnologia actual evoluiu e transformou como nos relacionamos ou nos portamos. Num episódio, por exemplo, é possível gravar tudo o que vemos nuns novos olhos, repositório ultra-real do tempo e do espaço. As consequências de cada salto tecnológico são exploradas de forma claustrofóbica, mordaz, atrerradoramente satírica. Não existem episódios maus, apenas extraordinários e muito bons.

Na semana passada, como parte da bandeira DC You, onde a editora de BD estado-unidense DC Comics tenta conquistar um mercado mais abrangente, o para além do dos super-heróis (obrigado Image por mexeres as águas), apareceu o título Prez. Passa-se em 2026 e uma rapariga comum que aparece num vídeo que se tornou viral é eleita presidente dos EUA. Apenas pela leitura das duas primeiras páginas é possível antever algo verdadeiramente especial e, mais que tudo, capaz de sentir - desculpem a vulgaridade - o pulso da sociedade. À semelhança de Black Mirror, agarra na tecnologia e analisa uma futura iteração da sociedade. Escalpeliza-a e, ademais, utiliza uma forma (para mim) nobre da arte de (bem) contar histórias: a sátira. Cáusticas e mordazes, as palavras deslizam pelas manias da sociedade como fio afiado de patins de gelo. Claro que ainda é muito cedo para tecer grandes elogios acerca desta BD (serão 12 capítulos) mas os autores, o escritor Mark Russel, o desenhista Ben Caldwell e o arte-finalista Mark Morales, têm neste primeiro capítulo um triunfo a todos os níveis.

Se a melhor ficção científica é aquela que nos faz pensar profundamente no presente, então Prez e Black Mirror são o hoje movido a esteróides.

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