O sátiro faz sátira? ou porque o Dr. Estranhoamor e Veep têm tanto em comum.




Não sei se o sátiro gosta ou alguma vez gostou de sátira. Na realidade, era mais inclinado para escapadas sexuais bem regadas. Na mitologia grega o personagem é representado com características de cavalo (inclusive as fálicas) e é apenas nos Romanos que assume o aspecto de bode que lhe associamos. Em outras literaturas, o sátiro pareceu-me representado por certos escritores como um personagem capaz de alguma ironia mas, ao mesmo tempo, não totalmente capaz de funcionar para lá de ímpetos sexuais primais . O que é que isto tem a ver com sátira e com a série de TV Veep e o filme Dr. Estranhoamor? Já lá vou.

Apesar de estar aberto a alguma discussão (segundo o wikipédia, desculpem-me não procurar melhores fontes) a sátira e o sátiro nada têm em comum a não ser a partilha de cinco letras. A sátira é um tipo de discurso, um estilo, se assim quiserem, que tem a capacidade de ironizar e ridicularizar vícios ou defeitos de uma pessoa ou grupo de pessoas, de, em tom sarcástico e jocoso, gozar com entidades, costumes e vícios (não escrevi nada disto, foi o dicionário Priberam. Culpem-no de qualquer erro). Sempre me senti muito atraído por este tipo de discurso. Não porque achava que era particularmente melhor trabalhado, mais elevado, mas porque, muito sinceramente, melhor retratava o ser humano e os seus comportamentos. Por exemplo: as séries de TV House of Cards e Veep abordam temas muito semelhantes, o das intrigas palacianas da alta política dos EUA. Contudo, com uma enorme diferença: a primeira segue os moldes de uma tragédia clássica (faz-me lembrar uma amálgama de MacBeth e Ricardo III) e a segunda é pura sátira. Enquanto House of Cards idealiza os anti-heróis como sofisticados demónios capazes de ardis labirínticos, Veep vê o ser humano como incompetente, egoísta, mesquinho, ridículo e estúpido. Qual destas duas leituras vos parece a mais mordaz e acertada? (a resposta a esta pergunta é vossa e só vossa. Eu tenho a minha, que não é melhor que a de ninguém, talvez apenas pior).

Ontem tive o prazer de rever em ecrã gigante (obrigado Gulbenkian) o Dr. Estranhoamor de  Stanley Kubrick. Depois de o ver tive a sensação deste filme partilhar o mesmo código genético de Veep. O mesmo cinismo e descrença em relação ao ser humano. As decisões não são tomadas por complexos pensamentos burilados laboriosa e metodicamente, mas antes amontoados de acasos, alguns incompetentes, outros nem por isso, que empilham-se para criar um todo aleatório e, esse sim, verdadeiramente trágico. Vejam o discurso onde o General Buck Turgidson tenta explicar ao Presidente dos EUA como chegaram, por meio de decisões burocráticas inanes, à situação de uma guerra nuclear devastadora. Vejam como o personagem de Julia Louis-Dreyfus chega à posição de uma das mais poderosas pessoas do mundo. Tudo hilariantemente aleatório.

Já perceberam então porque gosto tanto de sátira? E, já agora, perguntam, que é que o sátiro tem a ver com isto tudo? No final do Dr. Estranhoamor, o personagem titular, o brilhante nazi de Peter Sellers, sugere que, na iminência do desastre nuclear, deverão todos ir viver em minas onde serão levadas - para efeitos puramente de repopulação, claro - dez mulheres sexualmente atraentes para cada um dos homens (principalmente políticos e militares, curiosamente). Escusado será dizer que os presentes não desdenham a ideia de forma nenhuma. 

Já agora, o General Jack D. Ripper (Jack The Ripper?), o causador da hecatombe, começou a sua estúpida teoria de fluídos corporais depois de um episódio de impotência?

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