Os amantes de Banda Desenhada americana conhecem os nomes Mark Millar e Dave Gibbons. O segundo, desenhador, é uma das mentes criativas por detrás do essencialíssimo Watchmen. O primeiro, escritor, escocês, entrou pela porta grande dos Comics e teve sempre o talento e a sorte de escrever para as maiores empresas e para os maiores personagens. Foi responsável pelo Super-Homem ser adoptado por Stalin e por uma Guerra Civil entre os personagens da Marvel, opondo, de um lado, o Capitão América e, do outro, o Homem de Ferro. Contudo, depressa percebeu que os seus talentos seriam melhor aplicados na criação de ideias originais e concebeu o conceito Millarworld. Com esta marca, publicada em várias editoras, pôde, junto com os melhores desenhistas do universo da BD americana, desenvolver histórias que o catapultaram para o primeiro plano não só da 9.ª Arte mas também do Cinema. Os espectadores já puderam ver Kick-Ass, que criou junto com John Romita JR, e agora é a vez de Kingsman, um filme que antes de o ser foi uma BD (eu não me esqueci de Wanted mas o filme pouco ou nada teve a ver com o original).
Esta introdução tem duplo intento. Primeiro, ficar bem claro que este filme tem uma história retirada de uma mente criativa muito particular, a de Mark Millar. Segundo, a estética do mesmo deve muito à arte na qual foi buscar inspiração.
Kingsman é um filme de acção como há muito não se via. Divertido, idiossincrático, fora do comum. Não existem aqui tantos lugares-comum quanto é costume neste tipo de narrativa, muito por causa da sua origem geográfica: este é um filme britânico feito por britânicos. Essa origem nota-se em todos os momentos do filme e, principalmente, na história e ambiente. Ambiente que deve muito, sim, a Ian Fleming e ao seu mais famoso personagem, 007, mas também à cultura e História da ilha de Sua Majestade: a importância do sotaque; a forte hierarquização social; a nobreza como instituição; a educação; o amor por classe e alfaiates; etc. No que respeita ao primeiro, existe mesmo uma muito divertida inversão em relação ao vilão do filme. Ele é interpretado por Samuel L. Jackson a falar no seu melhor sotaque americano (com um twist que só ouvido) e envergando roupas que são o inverso da sobriedade. Em muitos filmes com origem nos EUA o vilão ou é inglês ou tem sotaque desta ilha. É um lugar comum. Por outro lado, são sempre ultra-sofisticados e instruídos (vejam Die Hard, por exemplo). Kingsman é o oposto. O herói é sofisticado, bem vestido, com sotaque impecável e educado. O vilão é, sem duvida, inteligente, mas rude, mal vestido e com um sotaque absolutamente deplorável - ainda que o nesta coisa do sotaque um outro herói da história também tem um apontamento a fazer.
A ação do filme, uma das mais fortes razões porque nos deslocarmos a vê-lo (para as mulheres é Colin Firth), é fora do comum para um filme que procura atrair um público mais abrangente. A violência é sanguinária, de um esteticismo que não deixa de a embelezar mas que também a analisa de uma forma diferente: hilária, por um lado, dura, por outro. Existem dois momentos altos no que respeita a ela e que devem ser muito bem apreciados: um passado numa igreja dos EUA e outro num dos momentos climáticos do filme - que mete muitas explosões. Estas duas cenas sublinham também uma outra característica da violência Millariana: a catarse. Millar aproveita-se sempre dos seus personagens para ajustar contas com coisas que, pessoalmente, lhe metem pirraça e parte para a ignorância da violência extrema.
Sinceramente, não tenho qualquer tipo de reserva a fazer a este filme, já um dos mais divertidos e melhores que vi neste ano. Realizador, actores, escritor, estão todos de parabéns, por nos ter oferecido momentos originais muito fora de comum. E, já agora, desses momentos, tenho mesmo de destacar o que involve uma princesa Sueca (a primeira a resistir aos avanços do vilão americano - uma metáfora muito pouco subtil). Acontece mais para o final e dá a pincelada final num quadro completamente diferente. 5 estrelas.
Sem comentários:
Enviar um comentário