Mr.Turner de Mike Leigh

O biopic do pintor inglês J. M. W. Turner estava nas intenções do realizador britânico Mike Leigh à década e meia. O retratista é um dos mais conhecidos do mundo da pintura, pelo seu trabalho focado nas paisagens de cores ofuscantes, que se transformou, mais tarde na vida, num proto-impressionismo que adivinhava todas as tendências da Arte e da Pintura dos finais do século XIX e princípios do XX.  

Mike Leigh, neste filme, fez um grande esforço não só de investigação acerca da vida, maneirismos e tempos do autor, como de replicação da palete de cores das pinturas de Turner. Contudo, pouco ou nada é forçado na garganta do espectador - excepto, talvez, quando tenta reproduzir a inspiração para "The Fighting Temeraire", algo que fez recorrendo a CGI. Por outro lado, existe o extraordinário trabalho do actor que dá corpo, grunhido e andar ao pintor, Timothy Spall, tendo já sido premiado por este "esforço". Na conjugação do trabalho de realizador e actor é construído um filme que não se arrasta pelas trivialidades da biografia cinematográfica e que, no meu entender, ascende a um patamar bem diferente. Este é, para mim, um grande filme. 

Turner era aquilo a que costumamos de apelidar de "personagem". Atendendo ao trabalho deste filme, parece-nos ter sido um homem complexo a viver numa época complexa, quando o antigo começava a dar lugar ao moderno. O confronto entre o "natural" e o "humano" parecia ser um tema transversal na vida e obra do autor (morreu proferindo as palavras "Sun is God - O Sol é Deus"). Este confronto é aliás espelhado em vários momentos do filme, quer por via de episódios curiosos, quer através da leitura da sua própria obra. Uma das suas pinturas mais conhecidas, "Rain, Steam and Speed – The Great Western Railway", reflecte o fascínio e terror que lentamente se apoderava das mentes mais alertas da história - o comboio, símbolo de um novo mundo, avança, monolítico, por entre o pesado nevoeiro.  No filme, Turner fica curioso com o processo  - na altura jovem - da fotografia e decide que lhe seja tirada uma (especificamente um Daguerrotipo). Ao mesmo tempo que indaga o fotógrafo acerca da Câmara (questiona mesmo o modo de pronunciar a palavra), conclui que os dias da pintura representativa estão a acabar  - um pronuncio não só das correntes artísticas de que ele próprio era precursor como de todo o século XX tecnológico. Este é um tema recorrente em muitos autores, não só da época, como de outros que escrevem sobre ela.  Alan Moore falou do advento do século XX no seu From Hell. Tolkien lamentava a revolução da máquina no seu Senhor dos Anéis.  Parece que a Inglaterra dos finais do século XIX era palco de mentes que se deslumbravam e aterrorizavam com o nascimento da máquina, que tanto os futuristas acabariam por idolatrar.

Turner era um homem de viragem, mas alerta acerca do caminho que o Homem deveria tomar. Nada mais claro do que em Hannibal Crossing the Alps, onde escolhe focar a enormidade das montanhas e tempestade ao invés do poder do exército do conquistador.

Por isto tudo, adorei o filme.

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