Marvel vs DC Comics

Tenho uma pergunta que não deve interessar a quase ninguém: existe diferença entre os super-heróis da Marvel e da DC, as duas maiores editoras de BD dos EUA?

Calma, não se vão embora. Sei que este poderá não ser o mais interessante dos assuntos para a maior parte das pessoas, mas acho que um pouco de cultura... vá lá, não será propriamente geral... um pouco de cultura das minorias não ocupa muito lugar. Portanto, aguentem-se um poucochinho que pode ser até que esta minha divagação vos interesse.


Há uns meses atrás, um crítico de cinema português, ao escrever sobre o último Batman do Nolan, cometeu o sacrilégio (para os muito poucos fãs de BD em Portugal) de dizer que o personagem era da Marvel. Imediatamente a net caiu-lhe em cima dizendo que não, o personagem pertence à DC. Muito astutamente (os fãs de BD são reconhecidamente violentos) corrigiu e substituiu Marvel por super-herói (sem especificar a editora), argumentando que entre um termo e outro não existe muita diferença. Ou seja, tanto faz ser o Batman, Super-Homem, Mulher-Maravilha – todos DC - ou o Homem-Aranha, X-Men e Hulk - todos Marvel. Vai dar tudo ao mesmo e é tudo farinha do mesmo saco. E agora estão à espera que eu diga que o senhor estava completamente errado. Não. Independentemente do conhecimento que o senhor possui ou do valor que ele atribui ao super-herói como elemento cultural, não está nem totalmente errado, nem totalmente certo.

Ser super-herói é, regra geral, ter uma infância ou adolescência infeliz, onde as figuras paternais estão, de uma forma ou doutra, ausentes. O Super-Homem, dependendo da versão que falamos, perdeu dois pares de pais ou apenas um deles (os dois pares são os de Krypton, o planeta natal, e os da Terra, o planeta que o criou). O Batman deve toda a sua existência à morte violenta dos pais enquanto criança. A Mulher-Maravilha, que não tem pai na maior parte das suas versões, tem uma relação bastante conflituosa com uma mãe dominadora. O Homem-Aranha não só perdeu os progenitores ainda muito criança, como a morte do seu tio, já em adolescente, é a razão de toda a sua cruzada. O Hulk, provavelmente o caso mais grave de problemas desta natureza, deve a sua raiva, todo o seu lado violento, aos maus-tratos a que era sujeito pelo pai. Obviamente que estou a falar de apenas alguns dos nomes mais conhecidos, mas tudo com o objetivo de ilustrar este ponto: existem, de facto, alguns elementos recorrentes na Mitologia dos super-heróis, que se repetem quer falemos dos da DC, quer da Marvel, que constroem o arquétipo mas, uma coisa é certa, que não o limitam a uma versão.


A DC, a editora mais antiga e também aquela com os personagens mais reconhecíveis, criou o arquétipo. É dela que provém a maior parte do senso comum que associamos aos personagens. Os seus super-heróis são seres bons, nobres, semideuses hiperpoderosos e messiânicos, que estão aqui para nos ajudar a levantar caso caiamos (esta frase não é minha. Leiam a JLA de Grant Morrison, umas das melhores BD’s sobre o modelo do super-herói DC). O super-herói DC movimenta-se na escala operática, no grande palco dos conflitos divinos. Obviamente que estou aqui, e para efeitos de argumento, a simplificar a questão, já que a quantidade de personagens à disposição da editora, os seus 70 anos de histórias, criaram espaço para diferentes interpretações, quer dos personagens, quer da filosofia mas, quando menos se espera, é a este modelo que muitos criadores regressam.


O super-herói da Marvel é, regra geral, mais humano, na falta de melhor palavra. E isto não é, de todo, um julgamento de valor, mesmo porque gosto tanto de uma editora como de outra. A matriz concebida pelo trio de criadores Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko acaba por ser uma reação ao super-herói DC. O Quarteto Fantástico é uma família que se comporta como uma verdadeira família. O Homem-Aranha, o melhor e maior representante do estilo Marvel, é um adolescente inseguro que vive perpetuamente com problemas de dinheiro, de namoradas, tem uma tia doente e - aqui está a maior revolução – para ele, ser super-herói é uma maldição, não uma bênção. Os X-Men, também parte desta matriz-maldição, são perseguidos pela humanidade – uma clara alusão ao racismo, xenofobia, homofobia, etc. - pois representam o próximo passo na nossa evolução. Mesmo seres que, à partida, seriam perfeitos, como Thor, o deus do Trovão, estão pejados de pecados humanos como a soberba. Esta evolução no arquétipo foi de tal forma poderosa e óbvia que, forçosamente, acabou por contaminar o da DC, não o destruindo mas embelezando-o.


As sete décadas da DC e cinco da Marvel (a atual, porque também começou nos anos 40) trouxeram um dos mais ricos universos criativos na cultura popular do século XX, influenciando milhares de criadores a, por um lado, participar na perpetuação da sua Mitologia como, por outro, na criação de outras interpretações, evoluções do arquétipo através de novos personagens. Contudo, muito dificilmente se criarão novos paradigmas tão fortes e duradouros como o Super-Homem e o Homem-Aranha. Por isso, meus senhores, quando dizem que tanto faz ser Batman como Hulk que vai bater tudo no mesmo... vá lá, convenhamos, que não é bem assim.


E então, chateei muito?

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