Soshite chichi ni naru de Hirokazu Koreeda (Tal Pai, Tal Filho)

É incrível o que pessoas diferentes podem fazer com histórias relativamente similares. Tal Pai, Tal Filho poderia, nas mãos de outro realizador, ser um melodrama lamechas para espevitar a lagriminha fácil. Contudo, nas deste Hirokazu Koreeda a temática afasta-se sempre desse abismo (eu sei que estou a tecer um juízo de valor sobre uma e outra opção, desculpem). A leveza - mas não a leviandade - com que o tema é tratado, revela sobriedade nos sentimentos, uma contenção da emoção ao invés do julgamento fácil e do festival de choro e melodrama. O realizador escolhe focar-se nos eventos e pormenores de contenção ou silêncio, talvez o reflexo da sensibilidade japonesa, talvez da sua própria. O filme está todo nos olhos, nas palavras, nos gestos e no que fazemos no dia-a-dia, quando confrontados com esta situação.

Duas famílias de situações socioeconómicas diferentes descobrem, seis anos depois, que os respetivos filhos foram trocados à nascença. Segue-se o processo penoso de aclimatização face à situação, as consequências respetivas e a decisão do que fazer. Como disse anteriormente, caminho certo para o melodrama fácil!

Numa sociedade bastante hierarquizada como o é a japonesa, questões de sangue e perpetuação da sua pureza têm um significado ainda relevante – não sei se marginal ou não. Esse desenvolvimento no enredo é, contudo, apenas uma das muitas pistas para os problemas enfrentados, principalmente pelo pai da família de estatuto socioeconómico mais elevado, ele o motor principal da narrativa, aquele que cria o dilema. Mas os restantes personagens não são meros satélites, antes funcionam como contraponto para os preconceitos e a obstinação do primeiro, todo ele movido por ego e por uma genealogia que procura vencer, mas pela qual aparenta estar vencido. Existe a vontade de uma minoria histórica e tradicionalista contra a de uma maioria mais liberal, com conceitos mais modernos da genealogia, paternidade e sucessão. Uma luta, não somente nos atos mas também nos pensamentos, estes últimos mais reservados e intrínsecos e parte de todos os intervenientes - não apenas do lado mais conservador. Quase que fica a reflexão: “o que se passaria numa sociedade greco-romana, latina e católica como a nossa?”

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