Quando as doze badaladas anunciam o fim do ano velho e o início do novo, geralmente estão associadas a outros tantos desejos, concretizações de esperanças para um futuro melhor. Raramente pensamos no passado excepto para que seja melhor ou, pelo menos, igual. Mas o futuro não existe, vai-se fazendo, enquanto que o passado, todo ele, mesmo aquele que não chegou a existir, está lá, perpétuo, omnipresente, cerceando cada decisão com obstinação. Na maior parte das vezes, o passado não nos afecta de forma directa e clara, prefere imiscuir-se subrepticiamente naquilo que nos acontece no dia-a-dia, nas pequenas e grandes decisões que tomamos em cada novo segundo. Na maior parte das vezes, nem nos apercebemos que ele está lá, sempre, porque por mais que tentemos racionalmente, cientificamente, encontrar caminhos para o contornar, para evitar que ele nos tolde ou condicione, ele segue sempre o seu caminho. Os gregos chamaram a isso tragédia e nós, os seus herdeiros, começamos a associar essa palavra a algo negativo, um destino pesado que nos carrega inevitavelmente para um abismo. Muitos foram os que traduziram essa noção para obras de arte imemoriais: Sófocles; Esquilo; Shakespeare; Eça de Queiroz. E, salvaguardadas as devidas distâncias, este novo filme de Asghar Farhadi.
Este foi o realizador de outro fabuloso filme, Uma Separação, um iraniano que, depois do sucesso do seu anterior trabalho, decide enveredar pelos lados da França, mas não abandonando o ambiente que lhe é familiar. Esta é a história de uma mulher, protagonizada por Berénice Bejo, que está a tentar reconstruir a sua vida amorosa com um novo marido. Para tal precisa efectivar o divórcio do anterior, o qual convida para a França onde terá de tratar da papelada obrigatória (o ex-marido vive no Irão). Ao contrário do que possa eventualmente parecer, este filme não inicia a história com este argumento batido para depois enveredar pelo lugar-comum. Na vida dos vários personagens faz pesar as breves palavras que referi no primeiro parágrafo. O título do filme é um farol pelo qual podemos orientar o nosso olhar e o nosso pensamento, temos de ter presente que a vida não se limita à fotografia deste pequeno pedaço de tempo e de espaço que um filme de duas horas circunscreve. Somos a soma dos caminhos que escolhemos e que não escolhemos, tal como Sartre disse e, claro, parafraseio.
Com prestações fabulosas dos vários actores envolvidos, desde a principal Bejo (que já tínhamos visto em filmes como O Artista) até Tahar Rahim (do grande filme O Profeta), esta é daquelas películas que são bastante apropriadas para a altura do ano, em que gostamos muito de olhar para a promessa do futuro.
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