No passado dia 18 de Abril fez 75 anos que
saiu a revista de BD com a primeira história protagonizando o famoso
Super-Homem. Chamava-se Action Comics e é também unanimemente
considerada como a inauguração do super-herói no universo das Artes. Tão forte
é a imagem do Super-Homem que se tornou no principal arquétipo deste estilo de
personagem fictício, mil e uma vezes emulado, copiado, ironizado, mas nunca
repetido.
Super-Homem foi co-criado no início da
década de 30 por dois rapazes judeus, Jerry Siegel e Joe Shuster
, e a início não tinha o aspecto que tem hoje. Tratava-se antes de um homem
careca e com poderes telepáticos (curiosamente, Lex Luthor, o mais
importante dos inimigos do Super-Homem, é careca e a Marvel, na década
de 60, criou o Professor X, mentor dos X-Men, também careca e
telepático). Escusado será dizer que esta primeira tentativa não logrou, sendo
substituída pela que conhecemos. Ainda assim, os dois jovens autores demoraram anos
até encontrar uma casa para o revolucionário personagem. Apesar de ter sido
“oficialmente” criado em 1933, apenas em 1938 foi publicado pela editora que
viria a ser conhecida por DC Comics, formalmente introduzindo um do elementos
mais importantes da mitologia americana moderna, o super-herói.
A versão dos primeiros anos do Super-Homem
era um pouco diferente daquela que reconhecemos hoje. Apesar de ser já um
extraterrestre do planeta Krypton e ter como alter ego o jornalista Clark
Kent, não só não voava, como a força e invulnerabilidade eram limitadas, e
portava-se como uma espécie de vigilante, intimidando criminosos. De facto, os
vários aspectos do personagem foram sendo desenvolvidos ao longo dos anos, aos
poucos cristalizando-se de forma mais ou menos definitiva (até ao ponto em que
estas coisas permanecem inalteráveis no mundo da BD americana). As duas
primeiras décadas do Super-Homem estabeleceram alguns dos elementos mais
importantes da sua mitologia, como seja: Lois Lane (o eterno interesse
amoroso, pelo menos até recentemente, mas já falamos disso); a kriptonite
(apareceu em 1943 num famoso programa de rádio protagonizado pelo personagem e,
na BD, apenas em 1949); Superboy (é revelado que o Super-Homem começou a
sua carreira como adolescente); Lex Luthor (o seu maior inimigo, ainda
que não o primeiro a ter esse título, que foi merecido pelo Ultra-Humanite).
Mas o desenvolvimento do cânone não acabaria por aqui.
No final da década de 50, a DC Comics
decidiu, pela primeira vez na sua história, reiniciar do zero muitos dos seus
personagens, estabelecendo que as aventuras vividas desde 1938 ocorreram numa
Terra paralela, apelidada pouco imaginativamente como Terra-2. As novas versões
morariam na Terra-1 e, com a primeira publicação da versão moderna do corredor ultrarrápido
Flash, fecha-se o capítulo da Era de Ouro e começa o reinado da Era de
Prata da BD americana. Apesar desta passagem para personagens como Batman,
Mulher-Maravilha e, claro, Super-Homem, não ter sido formal como a do Flash,
a mudança também não lhes foi alheia. A origem do Super-Homem, por exemplo,
torna-se assumidamente mais “científica”, estabelecendo-se que os seus poderes
provêm do facto da Terra possuir um Sol amarelo, em oposição ao Sol vermelho de
Krypton. Foi nesta Era de Prata que vimos, pela primeira vez, outros
sobreviventes de Krypton, como a sua prima, a Supergirl, ou o vilão
protagonista do novo filme realizado por Zach Snyder, o General Zod.
A adições à mitologia multiplicaram-se com variadíssimos e imaginativos
conceitos que continuam a alimentar a imaginação de muitos autores de BD hoje
em dia. Aparece Brainiac, o robô intergaláctico genocida, é criada a Legião
de Super-Heróis do século 30, da qual o Super-Homem fez parte enquanto
adolescente (Superboy, lembram-se?) e, acima de tudo, são
definitivamente estabelecidos os poderes quase divinos do personagem (ainda que
na versão da Era de Ouro já os tivesse). Ele é capaz de literalmente tudo:
mudar planetas de órbita; viajar no tempo; voar a velocidades superiores à da
luz. Torna-se num verdadeiro quebra-cabeças para os diferentes autores, que têm
de se esforçar para encontrar desafios à altura deste ser quase omnipotente.
Em 1986 a DC Comics volta a fazer o mesmo e
decide reiniciar uma grande parte do seu universo de personagens fictícios,
sendo o Super-Homem daqueles que mais alterações sofreu (a principal razão para
este reboot foi a eliminação das várias terras paralelas, passando a
existir apenas uma). Na mão do muito adorado escritor e desenhista John
Byrne, o Super-Homem do final do século XX e princípio do século XXI é
muito menos poderoso que a versão da Era de Prata e tem um apreço maior pela sua
herança terrestre do que a Krytoniana, desde logo revelando a inclinação
filosófica que o personagem viria a assumir. Este Super-Homem era mais Clark
Kent que super-herói, verdadeiramente um filho das planícies agrícolas do
interior norte-americano, do Kansas. Outras das modificações perpetradas por Byrne
foi o facto dos seus pais terrestres permanecerem vivos e de Lex Luthor
não ser apenas um mero supervilão, mas antes um empresário dono de um império
multinacional extraordinariamente bem sucedido.
Os 25 anos que se seguiram foram os mais
pródigos em histórias não só em quantidade como também em qualidade. Foi nesta
versão que o Super-Homem casou-se com Lois Lane, foi aqui que morreu e ressuscitou,
foi aqui que ascendeu para lá do papel de maior super-herói de sempre para se
tornar num homem com um único objectivo: a paz e a bondade espalhadas pelo
mundo.
Em Setembro de 2011, e pela terceira vez, a
DC carrega no botão de reset e, tal como para todos as outras revistas
da editora, as do Super-Homem recomeçaram do número 1 (nunca, até este momento,
a DC tinha tido coragem para o fazer). As mudanças no personagem foram, uma vez
mais, mais ou menos radicais. Não só, pela primeira vez em 70 anos, modificaram
o uniforme, como Grant Morrison, o escritor escocês encarregue dos
primeiros 18 capítulos desta nova versão, devolveu parte das inclinações proletárias
(sim, leram bem) e anticorporativistas do personagem, tornando-o um verdadeiro
paladino do homem comum. Outra das mais mediáticas modificações foi o fim (?)
da relação com Lois Lane e o início de uma nova, muitos julgam mais
apropriada, com a Mulher-Maravilha.
Podem, desta maneira, deixar de perguntar porque
é que o Super-Homem consegue permanecer com este aspecto jovial. É que, de
facto, o personagem que lemos hoje é apenas a mais recente versão do ícone. Mas
não vos restem dúvidas, tal como o Super-Homem de 1986 encontrou o da Era de
Ouro, também este do século XXI vai poder tirar umas lições dos seus homónimos.
É só esperar!
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