O personagem de Joaquim
Phoenix formou-se e nasceu (nesta ordem) no centro da 2.ª Guerra Mundial.
Finda esta, é entregue às ruas dos EUA da década de 40/50 e pretensamente
diagnosticado com depressão pós-traumática. Deambulando de emprego em emprego,
de bebedeira em bebedeira, encontra um outro homem, este interpretado por Philip Seymour Hoffman, autoproclamado “escritor, médico, físico nuclear e filósofo
teórico mas, acima de tudo, um homem inquisitivo”, através do qual as
más-línguas dizem que Thomas Anderson
procura emular L.Ron Hubbard, famoso criador
da igreja da Cientologia. No meio
deste relacionamento paternal-filial, quasi-homossexual e de co-dependência,
existe uma mulher, protagonizada por Amy
Adams, o verdadeiro cérebro por detrás do carismático pregador da Causa, a igreja/culto objecto do filme.
Do que fala The Master?
Sem dúvida que é uma obra para discutir-se indefinida e subjectivamente, nela destilando
os nossos id e ego (provavelmente os personagens de Phoenix e Hoffman,
respectivamente. Estendendo a metáfora, poderá a mulher, Amy Adams, ser o super-ego?).
Será esta uma obra sobre a oportunidade histórica perdida dos EUA no
pós-guerra, uma oportunidade de afirmar-se para lá das limitações naturalistas,
não pelo caminho da religião, charlatanismo, tradicionalismo rural, mas antes
de mãos dadas com a ciência? Anderson
ao escolher um paciente marcado pelos horrores da guerra e um “médico” que
pouco mais é que um charlatão, alguém que inventa uma pseudociência, uma pseudo-religião,
uma pseudopsicologia, para fazer passar uma mensagem, pode estar a evocar a sua
particular visão do passado recente e presente do seu país natal. Dodd e o seu culto vivem isolados, imperturbáveis
e imperturbados pelo mundo, num barco, numa vivenda ampla, e nos dois únicos
momentos de confronto com o mundo e com o irracional da sua lógica, o mentor
cai do pedestal. Vertiginosamente.
Freddie Quell (Phoenix) é descontrolo sexual, um animal
em busca de prazer, enquanto Lancaster Dodd
(Hoffman) é razão, ainda que
embrulhada no papel colorido do culto e da auto-invenção. Quell é dionisíaco, Dodd Apolónio, um confronto
civilizacional feito carne, dois lados de uma mesma moeda. A relação entre
estes dois homens (relação essa tão típica dos filmes de Anderson. Veja-se There Will
Be Blood e Magnólia) é profunda e
complexa, sendo no final difícil de delimitar o papel de quem é o médico e quem
o paciente. O último diálogo entre os dois, em que os papéis parecem
invertidos, poderá dar resposta a esta questão. A relação entre protagonistas é
questionada em vários momentos. Um destes ocorre num ponto de viragem, como
convém, quando um jogo inventado por Dodd
transforma-se em algo inesperado para este e um momento de libertação para Quell.
Nos interstícios destes gigantes imiscui-se a força
motivadora, a serpente tentadora, o pecado original, a mulher de Dodd. Perpetuamente grávida (excepto no final, mas nunca vemos o
filho de ambos), escolhe exercer o
seu poder sobre o marido num único e excepcionalmente bem escrito momento
sexual entre os dois. Mais forte torna-se quando sabemos que Dodd é ele todo carisma e charme, o
encantador, mas sucumbe ao poder físico da esposa. Aliás, Dodd, o pretensamente poderoso chefe do culto, acaba por ser o elo
fraco da cadeia, emasculado que é pela mulher e invejoso face à força da
natureza Quell.
Pela multitude de leituras que se podem conceber acerca
deste extraordinário filme, The Master
perdura na memória e na discussão exactamente pela não cedência à realidade dos
factos, pela imersão no “inconcreto”, imaterial, onírico. Aliás, o sonho é o
catalisador da catarse final. Como convém a um conto que de realismo tem muito
mas também pouco.
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