O que vou lendo! - Saucer Country


Saucer Country: Run de Paul Cornell (escritor) e Ryan Kelly (desenhista)

Saucer Country, uma das mais recentes “pan-obras” a sair com o emblema da Vertigo, imprint da DC Comics, não é tanto, como o titulo poderia deixar adivinhar, mais uma leitura sobre o mundo dos encontros imediatos de 3.º grau, mas antes uma análise desta mitologia alicerçada na realpolitik e nos temas sociais contemporâneos da sociedade norte-americana. Aqui não existe nenhuma incursão aparente pelo campo do paranormal ou pseudocientífico, antes os criadores preferem incursões psicológicas sobre os acontecimentos associados a fenómenos extraterrestres.

A história principal revolve á volta de uma latino-americana, Arcadia Alvarado, cujo actual perfil e fama a prefiguram como uma das principais concorrentes Democratas ao mais alto cargo da hierarquia política norte-americana, a de Presidente dos EUA. Esta mulher, aparentemente e junto com o ex-marido, parece estar envolvida num dos muito mediáticos casos de captura e experimentação por parte de extraterrestres, comummente desenhados como pequenos humanóides esguios, de cabeça larga e amplos olhos negros. O facto de ser descendente de imigrantes não estará desligado desta situação especial. Não esquecer que em inglês a apalavra “alien” tem duplo significado – imigrante e extraterrestre –, trocadilho aliás eloquentemente focado logo no primeiro capítulo do livro. Apesar de ter a certeza que esta captura não é fruto de nenhuma paranóia, Alvarado esconde dos seus constituintes a suspeita de invasão extraterrestre, cingindo-a ao grupo mais próximo, que continua a apoiá-la ainda que cepticamente.

Paul Cornell prima por não decidir-se pelo caminho da fantasia científica e nesse ponto esta torna-se mais uma série da Vertigo a desviar-se da matriz a que a editora nos tem habituado, e ainda bem. Como já foi aqui referido e também o é pelo próprio autor, Cornell interessa-se mais pela mitologia associada a estes fenómenos, fazendo uma reflexão sobre a consciência plural que permeia os pseudo-factos deste universo, desde os remotos da sua origem, passando pela imagética e lugares-comuns associados e continuando pelo que ele acha serem as causas deste fenómeno (ainda que neste primeiro volume ele escolha perpetuar o mistério e a ambivalência dos factos, com certeza por preferir fazer revelações mais tardias de modo a prolongar o suspense). Mas verdadeiramente interessante é a escolha de associar o mais importante processo político norte-americano, ao mesmo tempo que escolhe como protagonista uma mulher latino descendente (duas características divisoras da matriz presidencial), natural de um estado do Sul dos EUA, conhecidos pólos não só de “problemas” com alienígenas como de questões relacionadas com a imigração vinda do país vizinho, o México. Junta-se a este cozinhado uma dimensão mais psicológica e mesmo psiquiátrica dos eventos, ao colocar em foco personagens cuja professa sanidade é questionável.

Infelizmente, após ler este excelente primeiro volume, surge a notícia que a DC Comics/Vertigo iria forçar o fim prematuro da série que terá, pela sua chancela, apenas dois volumes em colecção. Contudo, pelo que é dado entender das esperanças do autor Paul Cornell, o futuro não estará ainda francamente decidido já que o mesmo está à procura de uma nova casa para continuar a obra.  Ver aqui a entrevista (em inglês) de Paul Cornell, em que não só desafia os leitores a comprar as colecções deste livro, como revela que não dever-se-á perder a esperança de que a série continue em outro lado.



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