Adoro começar sem
rodeios, o que geralmente acontece quando é de pele, de sangue, de
entranhas. Quando se gosta de algo sem pretensões, sem lugares comuns, sem
desejo de pertencer. Dito isso... Eu adoro tudo que o Tarantino faz. E este Django
Unchained não é exceção. Apenas mais uma entrada num currículo até agora
imaculado (e, sim, incluo o para mim soberbo Death Proof). Mais um filme extraordinário de um realizador que,
espero, venha a fazer parte do canto do céu reservado não tanto aos génios, mas
aqueles que fazem poucos mas muito bons filmes (já lá canta Kubrick, por exemplo).
Muito dificilmente poderei ver este Django sem o enquadrar com Inglorious Basterds. Enquanto o segundo
criava (spoiler) um fim alternativo
para a 2.ª Guerra Mundial, em que Hitler
e a sua clique morria às mãos de judeus num cinema em Paris e não alegadamente
sob os escombros da bombardeada Berlim, este Django conta a mesma história de vingança desta vez perpetrada por
negros contra o opressor branco norte-americano pré-guerra de secessão. E,
ironicamente, o negro vingador é pupilo de um alemão fortemente
anti-esclavagista.
Tarantino não usa luvas de pelica para mostrar as feridas deixadas abertas pelas
hediondas ações desta América, mas também não se assume como moralizador ou
sequer comparador entre os dois massacres. Apenas relata estes factos como um
documentarista, sem deixar de contar a história de vingança, o lado de
entretenimento, que tem de contar. Há quem possa afirmar tratar-se de uma
diluição da verdade mas duvido que alguém possa dizer isso quando confrontado
com alguns dos episódios mais violentos deste Django. E não falo dos jorros de litros de sangue dos obrigatórios
duelos de pistola, tão próprios de Westerns.
Não é apenas a velha América ou sequer apenas
a América que aqui é chamada à atenção. Também a nova, que continua a perpetuar
raciocínios preguiçosos e racismos datados. Um país onde os eloquentes
defensores do radicalismo comparam o atual presidente a Hitler, por razões tão lógicas como o sistema de saúde ou a
necessidade de regulação de posse de armas. Mas também sublinha-se que todos
temos um lado negro da História, uma verdade oculta por detrás de outras
verdades.
Este impressionante Django toca todas as notas típicas de um filme deste realizador,
mas sem repetição, sem criar um sabor a redundância no já longo repertório. Os
diálogos esticam-se como melodias, em longas sequências que nunca cansam, os
atores parecem-se possuídos, tão imersos que estão à entrega na cadência e
ritmo acertados. A violência (tirando a já anteriormente descrita) é desenhada
com copiosas doses de ironia e estética, para nos distanciarmos desta e
aproximarmo-nos da outra (essa documental, precisa, factual). Os fetiches de
pés e comida voltam a estar presentes. Em suma, Tarantino volta a tocar os mesmo instrumentos, apenas desta vez num
cenário Western Spaghetti, estilo que
teve o apogeu na década de 70, uma do cinema que mais fontes de inspiração tem
fornecido a este realizador norte-americano. E as referências estão lá todas,
nos atores convidados, nos longos planos de planícies ou montanhas geladas, na
cor saturada, nos personagens maiores que a vida, em Enrio Morricone que foi convencido a uma nova prestação do estilo
musical que ajudou a criar.
Sem reservas, um grande filme.
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