As Intermitências da Morte de José Saramago


“No dia seguinte ninguém morreu”. Assim começa, grande, maior que a vida, este romance do nosso Saramago. Começa com um estrondo e não com um murmúrio. E para estes grandes conceitos é necessário ser-se mais do que eles para os levar a bom porto, para os carregar por mais do que uma frase, mais do que uma página, mais do que um capítulo.

Saramago não é quem é, um dos maiores escritores portugueses de sempre, por acaso. Não o é porque de um dia para outro decidiu que escrever de forma desviada era uma opção estética que o elevaria ao panteão dos génios dos labirintos da língua escrita portuguesa. Ele é-o porque escreve maravilhosamente. A leitura escorre como água na garganta seca. Necessária. Natural.

Mas não basta escrever bem. Há que ter ideias, pensamentos, opiniões. É disso que um excelente escritor é também feito. De pontos de vista, de prismas que o fazem como pessoa, indivíduo, átomo único no universo. E Saramago explicita o seu de forma eloquente e directa, tecendo uma história, várias histórias, imiscuindo-as das suas opiniões, da sua visão sarcástica, velha, marcada do mundo, mas também de esperança, de luz, aquela ao fundo do túnel que nos faz desejar que os dias se transformem em anos e os anos em décadas e as décadas em séculos. Mas Mãe Gaea não nos deixa. E por isso tenho pena... Que ele e eu tenhamos que ir um dia. Ele porque não poderá escrever mais. Eu porque não poderei aprender mais.

A Morte deixou de trabalhar num país de 10 milhões de habitantes. O que acontece a seguir é a delícia do prisma e da pena de Saramago.

2 comentários:

Léolo disse...

Parabéns pelo comentário ao livro do Saramago. Ainda que não tenha lido este volume, revejo-me na opinião que tens do autor. Atrevo-me a acrescentar que Saramago tem uma escrita escorreita apesar da pontuação, originalidade extrema nos argumentos, facilidade na pintura das personagens e das paisagens que nos fazem visualizá-las a cada momento (imagino que tenha facilitado em muito o trabalho de Fernando Meirelles).

Anónimo disse...

Este foi o segundo livro de Saramago que tive o prazer de ler. A sua escrita deixa-nos a meditar.
A morte pode ser tristeza. Por vezes deixa-nos uma dor profunda que demora a passar.
Mas como será vivermos sem morte? Será que em qualquer momento da vida não iríamos querer atravessar a fronteira?