Poesia de Eugénio de Andrade pela Fundação Eugénio de Andrade
Ele agarra-nos. Na cadência das pequenas palavras e no célere dos versos. Na alvura da atmosfera, na brisa matinal que expulsa o mofo da casa de campo há muito fechada. No arrumar da casa. No mundo explicado, como se de uma inteligência arguta se tratasse. Parece que o resumo se torna mais fácil, mas tenham a certeza, não o é.
Um dos maiores poetas portugueses do século XX deixou-nos há muito pouco tempo e este grande tomo contendo as suas poesias parece pequeno demais para nos preencher o hiato que é a sua forma no mundo. Não deixem morrer a saudade das suas palavras. Leiam e releiam, como o faço neste momento.
E parece que ele adorava gatos, portanto devia ser mesmo interessante.
PROVINCIA
Meu casto
E puro amor provinciano,
Não percas tempo
Acendendo velas
No teu oratório:
Nenhum santo
Nem eu
Estamos na disposição
De fazer o milagre
Do teu casamento.
II
Cantas. E fica vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
Em redor é tudo teu;
Mas quando cessa o teu canto
O silencio é todo meu.
AS PALAVRAS
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
The League of Extraordinary Gentlemen, Black Dossier de Alan Moore e Kevin O’Neill pela DC Comics
Esqueçam o filme. Esse pedaço execrável de imagens ligadas umas às outras pelo movimento. Ninguém dever-se-ia dignar sequer a ver aquilo. Desculpem os que gostam, mas de facto o filme não acrescenta nada à obra na qual foi baseado. Pelo contrario, retira. E muito. Aos gritos, como aos gritos vocifera a criança retirada dos braços quentes da mãe. E que apropriada é esta metáfora. O livro, a BD, é tudo o que o filme nem sequer se esforçou ser. Inteligente. Divertido. Entretenimento para a massa cinzenta.
Um conceito tão fabuloso, daqueles que todos nós pensamos: mas porque não pensei EU nisso antes? E se todos os personagens de diferentes obras da literatura mundial vivessem todos no mesmo mundo e partilhassem aventuras? É assim que vemos juntos Wilhemina Murray do “Drácula” de Bram Stoker, Allan Quartermain do “Minas do Rei Salomão” de H. Rider Haggard's, Dr. Jeckyl e Mr. Hyde do romance homónimo de Robert Louis Stevenson, entre tanto outros. E nas mãos do mestre Alan Moore tudo isto é a soma das partes e muito, muito mais.
Este é já o terceiro volume da série. E a velocidade da argúcia e do entretenimento não desce.
O Romance do Genji de Murasaki Shikibu
Ainda que a questão esteja sempre aberta ao debate escolástico, este livro é considerado por muitos como o primeiro romance da história da humanidade. Escrito no século X, no auge do período Heian no Japão, uma época de paz sem paralelo na história da humanidade (durou 400 anos), a autora (sim, era uma mulher) atinge níveis de beleza e profundidade psicológica que só se podem considerar estratosféricos, quer a consideremos pelos níveis de hoje, quer pelos níveis da época.
Estar aqui a tecer diatribes acerca desta suprema obra prima, deste património da humanidade é eufemísticamente desapropriado. Posso então dizer que, até o momento, a obra é excepcional e que a tradução é de primeiríssima qualidade. Quando acabar prometo considerações mais elaboradas. Quero mesmo deixar isso para depois, porque existem obras de arte que são tão mais do que isso. Até lá, ficam com o nome.
1 comentário:
Do Poeta:
“As palavras são o ofício do poeta, parece-me que foi Cesare Pavese que o disse. As palavras são a nossa condenação. Com palavras se ama, com palavras se odeia. E, suprema irrisão, ama-se e odeia-se com as mesmas palavras! Como Jano, são bifrontes: nelas se caminha na noite, nelas se caminha no dia. Quanto a mim, gosto das palavras que sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do verão, aos barcos no vento; gosto das palavras lisas como seixos, rugosas como o pão de centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol.”
Eugénio de Andrade, in Antologia Breve, Da Palavra ao Silêncio, edição Editorial Inova Limitada, 1972.
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