A pergunta do fim-do-mundo
Noutro dia soube, ao olhar para um espelho abandonado num beco da cidade, que o mundo acabaria amanhã. Não um metafórico fim-do-mundo, mas realmente o fim-do-mundo.
Soube, por uma voz sussurrante que amanhã, sem apelo nem agravo, sem ruído, o mundo chegaria ao dia do seu fim. Não me disse como, não me disse precisamente quando, apenas que o mundo amanhã acabaria.
Não sabia o que fazer, o que dizer. Ninguém acreditaria em mim. E mesmo que alguém acreditasse, em nada ia adiantar. Sem saber bem porquê, achei que perguntar a pessoas diferentes o que fariam se soubessem que o fim-do-mundo ia chegar era uma boa maneira de acabar o tempo.
Perguntei a um velho, a sua vida uma imensa estrada retorcida, entroncada, e ele respondeu: “Pesaria o que fiz e tentava remediar o mal cometido. Beberia uma garrafa de vinho com amigos.” Achei interessante e continuei.
Perguntei a uma mulher de negócios, telemóvel nas mãos, o relógio pesando no seu pulso, e ela respondeu: “Mandaria tudo pela janela e voaria até os trópicos onde faria amor com um nativo até o mundo rebentar”. Achei interessante e continuei.
Perguntei a um pássaro, pequeno como um soneto, alegre como uma melodia matinal, e ele respondeu: ”Voaria o mais alto que pudesse para encontrar o grande Pássaro Cristal no topo da nuvem santa e ali ficaria com a minha amada”. Achei interessante e continuei.
Perguntei a um poeta, inspiração na pena, palavras robustas na língua, e ele respondeu: “Escreveria o surreal e o espontâneo até que o fim chegasse”. Achei interessante e continuei.
Perguntei a um gato, ágil como um poema, da natureza um instrumento em sinfonia, e ele respondeu-me: “Caçaria ratos, espreguiçar-me-ia ao sol, dormiria na quentura do Verão”. E fiquei com o Gato até ao fim-do-mundo.
de Daniel Franco
Sem comentários:
Enviar um comentário