Começo pelo princípio, onde todas as coisas devem começar. O desenho animado do Homem-Aranha da década de 60 estava a passar na TV portuguesa lá pelos finais dos anos 70. Eu não conseguia largar a TV quando estava no ar. Algum tempo depois, a Agência Portuguesa de Revistas lançava as Aventuras do Homem-Aranha e, por qualquer razão, só a apanhei no número cinco, que reproduzia o Amazing Spider-Man 156 americano.  Bastou folhear e ler, para ficar agarrado - na realidade foi o meu pai que ma leu, não me perguntem porquê, talvez eu gostasse da maneira como ele lia (parabéns Pai, pelo teu dia, agora que já não estás comigo e com a minha irmã). Assim começou. Tudo graças à Marvel, ao Homem-Aranha e, principalmente, aos autores Len Wein e Ross Andru.

Eu poderia aqui descrever em pormenor toda a sequência de histórias de Wein e Andru, mas estaria a fazer um serviço péssimo a estes senhores a quem tanto devo (e outros como eu). Prefiro ir falando dos números que mais me marcaram - e são muitos. Esta foi a minha primeira BD da vida, e está tão bem gravada na memória que ainda guardo pormenores que não é saudável alguém guardar. 

Peter Parker (para quem não sabe, o nome verdadeiro do Homem-Aranha), preparava-se para o casamento entre dois de seus mais antigos amigos, Betty Brant, também a sua primeira namorada, e Ned Leeds. Claro que, à boa maneira dos supers, nenhum evento social pode correr de forma calma, serena e normal. Eis que aparece um vilão chamado Miragem que ... bem, até custa dizê-lo... podia gerar uma miragem de si mesmo (sim, só isso!). Era esse o seu poder, ou melhor, a capacidade que um uniforme especial lhe dava. O Aranhiço dá conta do recado em meia dúzia de quadradinhos e lá se consuma a cerimónia. Mas o que conta, aos olhos de hoje, são tantas outras coisas.

Logo de caras, somos apresentados à, já na altura, "velha sorte de Parker". Enquanto entra sorrateiramente no seu miserável apartamento perdido no cimento de Nova Iorque, é surpreendido pela velha senhoria, a inesquecível Mrs Muggins, que o cumprimenta com uma vassourada, julgando-o um perigoso meliante. Lá conseguindo escapar-se, entra no espartano apartamento (não tinha dinheiro para nada, outra característica essencial do Aranhiço), tenta beber leite e... estragado. Peter ficará com fome durante mais algum tempo e, mesmo na cerimónia, onde esperava matá-la, a comezaina é interrompida não só porque chega tarde e vai directo para o altar (é o padrinho), como o Miragem decide assaltar a festa.  No meio deste delicioso e típico drama do que deve caracterizar uma boa história do Trepador de Paredes (perdoem-me, mas sou da "velha guarda"), são apresentados todos os coadjuvantes da galeria de personagens que compõe a telenovela que é a vida do herói: a Tia May; Mary Jane; J. Jonah Jameson; Flash Thompson; etc. Todas imortais e de fazer inveja a qualquer Tolstoy ou Dostoievski da vida (sim, estou a exagerar).

Claro que não posso esquecer-me de Ross Andru. Se o que escrevi acima deve-se aos criadores Stan Lee, Steve Ditko, John Romita e ao escritor desta história, Len Wein, nada disto fazia tanto sentido se não fosse desenhada por um artista exímio.  Andru é bom em tudo. Na singularização das personagens, onde cada cara, cada corpo, cada movimento, pertence a uma personagem e a mais ninguém. Nova Iorque é Nova Iorque e não uma cidade qualquer. O artista não se fica pela simples representação de um prédio. Demora a dar identidade a cada edifício, de modo a que o Homem-Aranha movimente-se numa cidade com respiração. Os becos, a arquitectura, as fachadas, ganham personalidade. Este Amazing Spider-Man 156 não será dos melhores exemplos da sequência de Wein e Andru, mas ganha por ser a minha primeira BD da vida, e esse primeiro amor vale ouro. 

Sem comentários: