Judith Vanistendael conheceu Mark Bellido no caminho de Santiago. Não sei se estava activamente à procura de uma nova história para uma nova BD (depois de David les femmes et la mort), mas a sorte conspirou para que a artista encontrasse este homem, em cuja história recente ela mergulharia nos três a quatro anos que se seguiriam. Mark Bellido tinha sido guarda-costas para autarcas no País Basco, autarcas que eram alvo de ameaças de morte por parte da ETA.
A razão para Bellido optar por uma carreira tão insegura tinha (e não tinha) a ver com necessidade: queria ser escritor e achava que apenas com uma experiência única, apenas com uma vida de "aventura", seria capaz de escrever o romance que o destacaria de todos os outros escritores. O autor tinha uma vida de vendedor de doces no sul de Espanha, onde habitava com a sua mulher e dois filhos. Decide então mudar-se da vida de sol para a chuvosa do norte, onde aceita a sua nova profissão de guarda-costas. Sem que isso constitua spoiler (mas ficam desde já avisados), esse novo trabalho é francamente absorvente em termos de tempo, levando-o a, por períodos cada vez maiores, ausentar-se da sua família. As consequências são as inevitáveis.
Segundo Judith, Bellido tinha acabado de sair desta vida quando a conheceu. O encontro iniciou uma colaboração que, já no final, tornou-se tensa. Decidirem-se pelo final da história transformou-se numa provação para ambos (Bellido tinha dificuldade em concluir) e acabou por ser um editor a fechar a disputa. O que ficou, a obra, é o testemunho pungente duma experiência forte, de uma história que valeu a pensa ser contada (mas talvez não a experiência em si, isto para Bellido).
Judith optou, graficamente, pelo lápis de cor (a sugestão parece ter sido de Bellido), contrastando de forma óbvia com o peso do enredo. A inventividade em termos gráficos, em termos de estruturação de página e do modo como "parte" a história destacam o trabalho de Vanistendael, que, nas muitas páginas que constituem este relato, deixa que a narrativa respire e se exponha da forma apropriada ao momento - ora delicodoce, ora visceral.
Às vezes os trabalhos mais excepcionais vêm das experiências mais difíceis e das colaborações mais complicadas.
(Obrigado, Rui, pela sugestão de leitura)
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