Existem sensações que são-nos mais aconchegantes do que outras. São parte do sangue e arrepiam a pele. Tem a ver connosco, com a nossa personalidade, misturada aos anos e aos segundos de vida. O Japão é uma ilha que deu origem a uma civilização com modos de estar e pensar algo diferentes de muitos países no mundo. O seu isolacionismo geográfico levou, durante largos períodos de tempo na História, a um isolacionismo cultural. Quando abriram-se ao mundo, o que aconteceu de forma mais clara no pós-Segunda Guerra Mundial, não deixaram de absorver partes dele mas de uma forma sua. O Mangá, a Banda Desenhada japonesa, nasce também por influência dos Comics dos EUA mas temperada pela cultura, linguagem, alfabeto de dentro das suas fronteiras. O Cinema teve um percurso semelhante. Estas duas artes, ambas produto do século XX, encontram na cultura do Japão uma das formas mais interessantes de miscigenação. O Mangá chama para a sua linguagem o movimento e o tempo do Cinema, mas ambos devem também muito ao modo como os japoneses vêem e experimentam o mundo à sua volta. Existe observação e reflexão na forma como vivem o passar dos segundos, existe conflito entre o moderno e o tradicional, entre a tecnologia e o artesanal, existe uma constante dicotomia que, contudo, e ao contrário de nós latinos, não é resolvida de forma exuberante. Provavelmente será por serem tão diferentes que atraem-me tanto.
Chiisakobé de Minerato Mochizuki é um Mangá inspirado num romance de 1957 de Shûgorô Yamamoto, cuja acção decorria no período Edo e que o mangaka transporta para os dias de hoje. É a história de um jovem arquitecto que perde os pais e que terá de tomar as rédeas da empresa de construção civil dos dois, ao mesmo tempo que se vê compelido a albergar uma jovem de 20 anos em sua casa e um grupo de cinco órfãos problemáticos. À semelhança do que acontece com outro autor japonês, Taniguchi, esta BD escolhe uma perspectiva mais pessoal e cultural na forma como aborda o enredo. O tempo dos personagens e, por influência, dos leitores, é de outra velocidade e convida à observação das páginas e da forma como Mochizuki escolhe para contar esta história. O autor não tem pressa e não revela, por palavras, muito do que acontece. A perspectiva da sua câmara é, também ela, curiosa, preferindo, em muitos dos diálogos, focar-se em partes do corpo que, à partida, pareceriam estranhos: as pernas; os pés; o tronco. Ao afastar-se do rosto e preferir partes menos emocionais da fisionomia humana, provoca uma quebra no diálogo tradicional que o leitor tem com a BD. Será este um reflexo da história? Do autor? Ou da cultura japonesa onde as emoções são culturalmente contidas? Continuando a esticar esta análise, nunca vemos o rosto do protagonista na medida em que este está coberto por uma longa barba. E também não podemos deixar de reflectir sobre esta contenção emocional quando o pai de um dos personagens tem uma forma nada saudável de observação da filha e do seu corpo.
A história ela própria é, na sua essência, nipónica. A necessidade de perpetuar o legado dos pais, do país, enquanto defronta-se com as soluções que o mundo moderno tem para oferecer. Ao mesmo tempo, nesta luta pela continuação da herança dos progenitores, procura o caminho honrado, sem depender da comunidade que, contudo, o tenta ajudar de uma forma, que para muitos de nós, mais cínicos, poderia parecer falsa.
Não deixa de ser curioso, e não conhecendo o romance original, que uma cultura possa ainda ser tão bem caracterizada através de uma história que originalmente ocorreu no período Edo (1603 - 1868), um período que formou muito da cultura deste país e que é caracterizado por um profundo isolacionismo em relação ao resto do mundo e por uma severidade moral e judicial ditatoriais. O autor não o terá feito de forma descabida.
Estes são os dois primeiros volumes de uma obra de quatro. Venceu este ano no Festival de BD de Angoulême o Fauve Prix de la Série e é uma das provas de que o mangá é uma das mais estimulantes formas narrativas actualmente em publicação.
Chiisakobé de Minerato Mochizuki é um Mangá inspirado num romance de 1957 de Shûgorô Yamamoto, cuja acção decorria no período Edo e que o mangaka transporta para os dias de hoje. É a história de um jovem arquitecto que perde os pais e que terá de tomar as rédeas da empresa de construção civil dos dois, ao mesmo tempo que se vê compelido a albergar uma jovem de 20 anos em sua casa e um grupo de cinco órfãos problemáticos. À semelhança do que acontece com outro autor japonês, Taniguchi, esta BD escolhe uma perspectiva mais pessoal e cultural na forma como aborda o enredo. O tempo dos personagens e, por influência, dos leitores, é de outra velocidade e convida à observação das páginas e da forma como Mochizuki escolhe para contar esta história. O autor não tem pressa e não revela, por palavras, muito do que acontece. A perspectiva da sua câmara é, também ela, curiosa, preferindo, em muitos dos diálogos, focar-se em partes do corpo que, à partida, pareceriam estranhos: as pernas; os pés; o tronco. Ao afastar-se do rosto e preferir partes menos emocionais da fisionomia humana, provoca uma quebra no diálogo tradicional que o leitor tem com a BD. Será este um reflexo da história? Do autor? Ou da cultura japonesa onde as emoções são culturalmente contidas? Continuando a esticar esta análise, nunca vemos o rosto do protagonista na medida em que este está coberto por uma longa barba. E também não podemos deixar de reflectir sobre esta contenção emocional quando o pai de um dos personagens tem uma forma nada saudável de observação da filha e do seu corpo.
A história ela própria é, na sua essência, nipónica. A necessidade de perpetuar o legado dos pais, do país, enquanto defronta-se com as soluções que o mundo moderno tem para oferecer. Ao mesmo tempo, nesta luta pela continuação da herança dos progenitores, procura o caminho honrado, sem depender da comunidade que, contudo, o tenta ajudar de uma forma, que para muitos de nós, mais cínicos, poderia parecer falsa.
Não deixa de ser curioso, e não conhecendo o romance original, que uma cultura possa ainda ser tão bem caracterizada através de uma história que originalmente ocorreu no período Edo (1603 - 1868), um período que formou muito da cultura deste país e que é caracterizado por um profundo isolacionismo em relação ao resto do mundo e por uma severidade moral e judicial ditatoriais. O autor não o terá feito de forma descabida.
Estes são os dois primeiros volumes de uma obra de quatro. Venceu este ano no Festival de BD de Angoulême o Fauve Prix de la Série e é uma das provas de que o mangá é uma das mais estimulantes formas narrativas actualmente em publicação.
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