Se não sabem a esta altura vão passar a saber. Existem duas grandes editoras de BD de super-heróis: a Marvel e a DC Comics. Cada tem uma aproximação diferente aos seus personagens. A segunda, aquela que aqui me trás, é a mais antiga e tem no catálogo os mais conhecidos personagens deste canto da BD - pelos menos até o aparecimento dos filmes da Marvel, que têm sido um enorme sucesso. Ao longo dos seus quase 80 anos de histórias, por necessidades várias, a maior parte financeiras, a DC viu necessidade de reinventar, ou pelo menos de reinterpretar, os personagens que a tornaram famosa. Os seus três maiores, a Mulher-Maravilha, o Super-Homem e o Batman, não só não escaparam como foram alvo das mais conhecidas transformações na BD de super-heróis. Não foram uma nem duas. Foram muitas, algumas no contexto da novela interminável das histórias normais, outras ocorreram fora, em contos paralelos que, na maior parte das vezes, prefiguravam interpretações pessoais de alguns criadores. É o caso destes dois exemplos: Wonder Woman, the True Amazon de Jill Thompson e Superman: American Alien de Max Landis (com o contributo de muitos desenhadores).
O ano de 2017 poderá vir a ser um grande ano para Diana, Princesa de Themyscira, Wonder Woman, Mulher-Maravilha. Com o filme homónimo (finalmente) a sair, a DC tem feito esforços para aumentar a presença mediática da personagem. 2016 tem sido um ano interessante na publicação de BD's, com não só uma nova equipa criativa no título mensal mas também com o lançamento de dois álbuns protagonizando a Mulher-Maravilha: WW: Earth One e este WW: The True Amazon. Do primeiro já aqui falei e é um dos meus favoritos do ano. Este segundo é algo completamente diferente. Trata-se, tal como o WW: Earth One, de uma reinterpretação da origem de Diana mas num tom e atmosferas juvenis e reminiscentes de contos de fada ou de princesas (ainda que particularmente mais violento - ou será que não?). Jill Thompson, a autora, é conhecida por trabalhos em Sandman e no seu Scary Godmother, e neste WW: The True Amazon escreve e desenha um dos maiores ícones da BD nos EUA com claro amor e dedicação, tocando nos pontos essenciais do personagem, ainda que escolhendo um caminho bastante diferente na interpretação que faz da personalidade de Diana. A intenção dessa reinterpretação, da qual não faço spoiler, é perfeitamente clara, já que a história acaba por ser um cautionary tale apropriado à intenção da autora, que é o de emular histórias de moral (até um pouco parecida com as da Disney). Não sendo um dos meus contos favoritos do personagem também tenho noção de não ser eu o público alvo do mesmo. É uma história agradável e simpática que pode ser do agrado de outros olhos.
Superman American Alien de Max Landis, vai também pelo caminho da reinterpretação da origem e dos primeiros anos da vida de um personagem, mas desta vez no Homem de Aço. São sete contos de 22 páginas cada que focam a pré-adolescência, a adolescência e os primeiros anos da sua vida na cidade grande, com e sem a identidade de Super-Homem. O que a início não é totalmente claro depressa se torna: este é um outro Super-Homem, um imaginado por Landis. Não estamos em nenhum "universo" conhecido mas num da autoria deste escritor, que mina o amor que nutre pelo personagem para tecer contos profundamente humanos e humanizáveis. Um dos maiores e mais injustos dos lugares comuns que existem acerca do Homem de Aço é o seu pretenso distanciamento em relação aos problemas do "homem comum". Como poderemos relacionar-nos com alguém com poderes quase divinos e, pior, com uma moralidade inabalável e irrepreensível? Esqueçam que não entendo como não poderemos. Max Landis destrói esse lugar comum para erguer histórias calorosas mas também profundas acerca de uma das mais interessantes mitologias da Americana. Este é um Super-Homem humano para quem achava que não era. Landis não conta nenhuma novidade a quem já o lê há anos, mas, ao mesmo tempo, ergue novos primas que são refrescantes na sua candura e qualidade. Qualquer revelação quanto ao conteúdo é um serviço mau que vos faço. Leiam e deliciem-se porque vale cada virar de página.
Sem comentários:
Enviar um comentário