Onde acabam os pais e começam os filhos? Deixar de impor e relaxar. Deixar antes que a natureza de cada se revele. Combater a nossa própria natureza, as nossas crenças mais enraizadas. Esperar, com calma, que cada um seja aquilo que quer ser. Parece óbvio? Segundo estes dois filmes é tudo menos isso. E, não falando de experiência, não acredito que o seja.
Todos os caminhos que podemos seguir estão ao nosso dispor ao início da nossa vida. Qualquer escolha leva-nos para um caminho e elimina todos os os outros. Como se estivéssemos, na teoria invertida do multiverso, a eliminar todas as possíveis vidas que poderíamos vir a experimentar. Os nosso pais são um dos pilares que nos ajudam a escolher esse caminho. Muitas vezes, as suas crenças mais enraizadas podem-nos suster positivamente para o resto das nossas vidas. Outras vezes não. Mesmo que não ofereçam qualquer tipo de respostas definitiva para esta questão, os dois filmes de que falo focam-se fortemente na segunda hipótese: e se os nossos pais nos prejudicam com os seus fanatismos.
É curioso que, em dois dias seguidos, tenha visto dois filmes com tanto em comum. Ambos italianos e patrocinados pela RAI. Ambos têm como atriz Alice Rohrwacher - num dos casos como principal, noutro secundária e realizadora. Ambos falam de paternidade. O primeiro, Hungry Hearts, de uma forma mais omnipresente. O segundo, Le Meraviglie , apenas como um dos temas.
Se tivesse que escolher um adjectivo para Hungry Hearts seria angustiante. Passados os momentos idílicos iniciais, depressa se transforma num mergulho na relação conturbada entre marido e mulher enquanto tentam criar um filho nos primeiros dias de vida. Paulatinamente, ambos modificam-se e enfrentam algo que só pode ser visto como agonizante e claustrofóbico. Uma situação que não pode ser enfrentada com murros e gritos (e quando o é o resultado é catastrófico), que cerceia dolorosamente e nos leva ao abismo da depressão.
Le Meraviglie é outro objecto. Também trata de um pai de tal forma obcecado com os seus conceitos de vida que esquece-se do conforto de todos à sua volta. Contudo, abre o seu foco para outros horizontes. Narrativamente faz parte daquele tipo de história que aprecio particularmente. Prefere expor os eventos, uns seguidos aos outros, entretecidos de tal forma que deixa ao espectador a total liberdade de tecer o juízo que ache mais apropriado. Não existe sermão, apenas uma forma de ver a realidade. A câmara não sendo documental também não embeleza ou subjetiviza de forma a inclinar a uma opinião. A arte questiona, não responde.
É também curioso que tenha visto estes dois filmes imediatamente a seguir ao brilhante Roma, Cidade Aberta de Roberto Rossellini. Obviamente não chegam a qualquer tipo de patamar deste mas o realismo italiano não está, de todo, morto. Mesmo que Hungry Hearts se passe em Nova Iorque.
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