A variedade é importante. Desde muito cedo na vida gostei de Banda Desenhada de super-heróis, a começar pelo Homem-Aranha. Mas também nunca me afastei de outras leituras e punha as mãos e os olhos em tudo que o dinheiro, oportunidade, tempo e gosto me deixavam. Hoje, por já ler muita coisa e também por gosto, procuro cada vez mais coisas diferentes. Quer seja em BD, quer seja cinema, música, fotografia, prosa, etc. Não por uma procura intelectual (não estou a ser totalmente honesto: é também por isso), mas para ser surpreendido, agradado e entretido. Sem nenhuma ordem em particular. É por isso que, tal como muitos dos meus "companheiros" apreciadores/devotos da BD, vou escavacar o catálogo de outras linguagens e encontrar o próximo livro que me deixa extasiado. Escusado será dizer que nem sempre acertamos e tão pouco sei dizer se acertamos na maior parte das vezes. Mas a procura é, muitas vezes, a diversão ela mesma . Olhar para capas estranhas de autores familiares ou não, ler críticas, ouvir os conselhos de outros, ficar interessado por um enredo mais "fora", folhear na nossa loja de BD ou noutra loja qualquer um título ao qual, à partida, nem prestaríamos atenção. Tudo isso faz parte do delicioso processo de quem gosta de arte, de BD e, vamos lá ser sinceros, de tudo na vida.
Tanto Trees de Warren Ellis e Jason Howard como Lune L'Envers de Blutch fazem parte desta categoria. Claro que, para os que conhecem este Blog, o primeiro menos que o segundo. Warren Ellis é já um antigo conhecido meu. Adoro a sua escrita, principalmente em títulos como Transmetropolitan, Authority, Nextwave. Trees é ficção científica. Num futuro não muito longínquo, estranhas naves espaciais extra-terrestres em forma de árvore aterraram em várias cidades do mundo. Passados anos em que para além dessa aterragem nenhum outro sinal de vida foi dado pelos alienígenas, a humanidade foi criando "ecossistemas" em volta das gigantescas árvores (chegam a desaparecer nas nuvens). Trees é menos sobre o fenómeno fantástico que acontece no futuro e mais em como os Homens reagem a esse evento. O enredo colecciona histórias aparentemente desconexas em vários pontos do mundo e com diferentes tipos de pessoas. Neste primeiro volume, que colecciona os primeiros oito capítulos já publicados pela alçada da Image, pouco é revelado acerca do mistério das árvores. Warren Ellis continua a não desiludir ainda que (e posso estar enganado) exista maior contenção no verbo do autor, o que não é, de todo, uma coisa má. Enquanto Transmetropolitan parecia um ajustar de contas, Trees quer "apenas" contar uma história - mas claro com as idiossincrasias do escritor.
Por seu lado, Lune L'Envers parece ser um claro e nada discreto ajuste de contas entre Blutch e a Arte, a Banda Desenhada, a Tecnologia e ubíquo Capital por detrás de cada. O artista não é nada novo nas andanças da BD (começou a trabalhar no emblemático Fluide Glacial) e este seu mais novo trabalho é um delicioso sonho surreal que envolve o segredo milenar escondido pelas mulheres e a "indústria" de produção de Banda Desenhada. Esta combinação improvável agarrou-me até à última página na necessidade de descortinar o estranho segredo onírico que estava a ler. O autor é muito pouco subtil no dedo que aponta a uma forma como acha que, nos dias de hoje, a BD é feita (e cheira-me que não apenas a BD). Também não se afasta de escalpelizar o papel da tecnologia e do "dinheiro" enquanto condicionantes da produção artística, numa análise satírica verrinosa que ataca todos os lados e prismas da questão (inclusive apontando armas a si mesmo, já que não só aparece ele próprio como através de dois sósias artísticos, um novo, outro idoso). Isto, contudo, com um controle fabuloso da arte de fazer BD, desde a escrita, ao desenho e à cor. Um verdadeiro triunfo.
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