O que vou lendo! – Warlock by Jim Starlin – The Complete Collection

Enquanto relia este pedaço de nostalgia da minha infância ocorreu-me algo que, à altura, não tinha informação para concluir: a trágica história de Adam Warlock, escrita e desenhada por Jim Starlin, é precursora dos trabalhos de Frank Miller, Alan Moore e Neil Gaiman. Para os fãs de BD americana, esta frase pode ser interpretada como herética e, parece-me, poucos, nem o próprio Starlin, alguma vez teve a presunção de a proferir. Passo a explicar porque o digo.

Nos idos da década de 80, na saudosa revista brasileira Heróis da TV da editora Abril, eram publicadas as aventuras de Warlock pela imaginação e desenhos do grande Jim Starlin. Com o passar das décadas, estas histórias, originalmente lançadas nos EUA entre 1975 e 1977, adquiriram o estatuto de lenda, status de que não gozaram na altura. Aliás, foram lançados poucos capítulos e, com a re-leitura, nota-se que o fim foi apressado. Jim Starlin afirma que, ainda assim, e após o cancelamento da revista homónima, foi-lhe dada a oportunidade de escrever e desenhar dois anuais, dos Vingadores e de Marvel Two-in-One, nos quais teve oportunidade de acabar a saga do Gladiador Dourado. Este volume coleciona todos os capítulos e conseguiu ser um prazer e, ao mesmo tempo, uma revelação. Prazer porque a escrita e os desenhos envelheceram maravilhosamente, não tendo ganho o pó da irrelevância. Revelação pelo que referi no primeiro parágrafo.

Usando um personagem que não lhe pertencia, Starlin consegue imbuí-lo das suas próprias filosofias e pontos de vista. Ao mesmo tempo, modificou-o de forma tão irreversível e idiossincrática que para sempre o carimbou como seu - isto não faz lembrar o trabalho de Miller no Demolidor e Moore em Swamp Thing? Adam Warlock não só é um personagem de BD de super-heróis cósmicos, como um verborreico filósofo estelar e personagem trágico na senda dos clássicos gregos. Os seus solilóquios são ao mesmo tempo profundos e kitsh, numa combinação perfeita que tanto caracteriza um certo tipo de BD. Ao mesmo tempo, o desenho está à frente de qualquer outro na época, quer em qualidade, quer em sofisticação estética. Por exemplo, a construção de mundos alienígenas mistura, de forma sublime, múltiplas referências: medievais; tecnológicas; místicas; terror.

Para quem ler este volume de uma assentada, aperceber-se-á que Jim Starlin tinha um plano com princípio, meio e fim. O artista pretendia ter tempo para contar a sua história de forma mais ou menos serena, mais ou menos contida, culminando na morte e, ao mesmo tempo, redenção do trágico herói (o que, aliás, se vem a verificar nos anuais que lhe são permitidos produzir). E, nesse sentido, esta era uma atitude inovadora no panorama da BD mainstream da altura, que se caracterizava, essencialmente, pelas eternas telenovelas dos super-heróis (não que haja nada de errado com elas). Não reconhecem nesta atitude muito do que Neil Gaiman faria 10 anos mais tarde com Sandman? Não só isso mas também a escrita sofisticada, adulta, literata. Mesmo nos parcos capítulos que foram possíveis produzir, Starlin arranjou espaço para um delicioso episódio com palhaços, onde criticava os estúdios da Marvel e os seus editores (sim, os mesmo que lhe publicavam Warlock). E que tal a revelação – recente – de que Pip, o Troll, coadjuvante do herói, era na realidade Jack Kirby, o Rei da BD americana?


Ficção científica cósmica noir será uma forma de descrever a fabulosa saga de Warlock. Mas qualquer epíteto é redutor. Exceto este: esta foi uma BD visionária que os anos recompensaram - mas não o suficiente. Comprem este fabuloso e essencial volume e chorem de pena pelo facto dos diferentes imperativos da altura terem ditado o seu cancelamento muito prematuro.

PS - Esta BD tem especial interesse nos dias que correm, em que os filmes dos Vingadores encaminham-se para o inevitável confronto com o Deus Louco, Thanos. Para quem quer saber como  ganhou fama suficiente para ter o estatuto de um dos piores Inimigos da Panteão da Marvel, bem como onde surgiram pela primeira vez as gemas cósmicas (que estão a aparecer em todos os filmes), só tem de ler esta fabulosa coleção. Nela temos o segundo grande confronto entre Thanos e os Vingadores.

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