Birds of Prey (e a Fantabulástica Emancipação De Uma Harley Quinn) de Cathy Yan


Após o relativo falhanço de crítica e de bilheteira que foi o Esquadrão Suicida,  a Warner e a DC inverteram caminho e focaram-se na personagem revelação desse mesmo filme: a Harley Quinn, namorada do Joker, interpretada pela actriz australiana Margot Robbie. Co-produzido pela própria Robbie, a narrativa não só é uma plataforma para a actriz e para a personagem que interpreta (principalmente), como reúne um conjunto de personagens femininas da mitologia DC: a Canário Negro; a Caçadora;  a Renée Montoya; e Cassandra Cain. Todas unidas para enfrentar dois vilões do panteão de adversários do Homem-Morcego, Black Mask, interpretado por Ewan McGregor,  e Victor Zsasz. Com uma boa realização e um bom argumento, aliados ao carisma da actriz principal e da personagem, este filme tinha tudo para dar certo. O filme não falha totalmente, mas fica a sensação de missão não cumprida.


Começo pelo melhor: Margot Robbie e a sua Harley. É indiscutível tratar-se de uma excelente actriz, totalmente talhada para a Arlequim do Crime. A voz, a loucura, o constante diálogo com o público, estão lá todos e todos executados de forma exemplar.  É Harley quem comanda a narrativa, e ainda bem, não só do ponto de vista de móbil e personalidade, como nas melhores cenas de acção (a invasão da esquadra da polícia é um momento alto). Ela é engraçada e séria em igual medida , carregando o filme com as doses certas de loucura, psicopatia e inteligência - os momentos de psicologia aplicada são deliciosos. Margot prova que a personagem possui o código genético narrativo para sustentar um filme ou qualquer outra forma de arte. Bruce Timm e Paul Dini só podem estar orgulhosos da sua criação, uma das melhores adições "recentes" (nasceu em 1993) à mitologia do Batman, da DC, da BD e da Literatura.

Outro ponto alto é o Black Mask de Ewan McGregor. Os vilões da DC continuam a ser, de uma forma geral, mais robustos e espessos do que os da sua maravilhosa concorrência, pelo simples facto de representarem um foco tão importante, na narrativa, quanto os heróis. Roman Sionis é um interessante poço de psicopatia, mimo, perigosa insegurança e necessidade de agradar a figuras parentais ausentes. McGregor é um actor mais do que capaz para esse desafio e transforma este vilão relativamente obscuro do Cavaleiro das Trevas em algo mais do que o antagonista du jour.

Os problemas começam nas restantes personagens. Quer a Canário Negro, quer a Caçadora, Renée Montoya e Cassandra Cain são oportunidades perdidas, pouco mais que personalidades movidas por eventos, quase bidimensionais. Fica a certeza que o nome Birds of Prey é completamente escusado, porque o enfoque é em Harley. E, quem conhece estas personagens na BD, sabe que têm muito a oferecer, e que este quadro é caricatural. Tenho de chamar especial atenção a Cassandra Cain, cujas semelhanças em relação à BD terminam no nome, o que representa uma outra oportunidade perdida - nas histórias aos quadradinhos ela é um personagem francamente interessante e, aqui, não sendo algo desprovido de relevância, nada tem a ver com a Cain que conhecemos.  As restantes três personagens femininas estão mais aproximadas às personalidades da BD, mas são tão pouco desenvolvidas que fica mais a alusão do que a intenção. E esta falta de desenvolvimento alude a outro ponto fraco do filme: o excesso de cenas de acção. Duas ou três a menos e mais diálogos e teríamos um filme mais equilibrado, onde se justificaria a existência de tantas personagens. A realização e montagem são por vezes confusas e pouco elegantes. Talvez tentassem evocar a mente caótica de Harley, mas fica algo a faltar.

Em suma, não sendo um filme mau, longe disso (principalmente por causa da Harley), é também uma oportunidade perdida. 

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