Valerian and the City of a Thousand Planets de Luc Besson

Tinha de acontecer. O sucesso das múltiplas adaptações de BD de super-heróis tem provado ser uma considerável fonte de receitas para os muitos estúdios de cinema. Mas como os fãs de BD bem o sabem, a 9.ª Arte não é de maneira nenhuma feita apenas de super-heróis nem tampouco de BD norte-americana. Já muitas foram as adaptações quer de franco-belgas, quer de Mangás, mas, no que diz respeito à primeira, ainda faltavam alguns nomes mais conhecidos. A BD das terras gaulesas já adaptou, com mais ou menos sucesso, Astérix, Lucky Luke, para falar de dois grandes nomes, mas ainda faltam alguns: Valérian era um deles. Ou melhor, Valérian e Laureline, agentes espácio-temporais ao serviço da Galaxity, "metrópole do futuro, (...) capital do império galáctico terrestre" (in A Cidade das Águas Movediças) do século XXVIII. Ambos são agentes da lei que viajam pela imensidão espaço-temporal do brilhante e brilhantemente imaginativo universo criado pelo escritor Pierre Christin e pelo artista Jean-Claude Mézières em fins da década de 60.

Com 22 volumes no total (23 se considerarmos o número zero), esta série marcou várias gerações de admiradores não só de BD mas também de ficção-científica. Conhecida pelas suas personagens idiossincráticas e pela singularidade da imaginação vertiginosa, influenciou de forma indelével a cultura popular do século XX (a Guerra das Estrelas de George Lucas consta como um produto dessa influência ao ponto de ser considerado plágio - mas essa é uma outra história).  Luc Besson, o realizador que escolheu (finalmente) adaptá-la, consta como um dos seus fãs e assume-se como fortemente influenciado. Um dos seus mais conhecidos filmes, O Quinto Elemento, é também uma carta de amor a Valérian (tanto que Jean-Claude Mézières ajudou no design do mesmo). Ora, a obra que tanto contribuiu para a cultura popular precisava de ser adaptada à 7.ª Arte e dada a conhecer a um público mais vasto.

Apesar do nome, Valérian e a Cidade dos Mil Planetas, o álbum que mais contribui para o enredo da adaptação é O Embaixador das Sombras, o sexto volume da série (o segundo álbum tem o nome O Império dos Mil Planetas, mas as semelhanças de enredo ficam-se pelo nome). A adaptação é livre, com tantos pontos de toque como de desvio. 

Uma das características mais magnéticas da BD era a velocidade da acção, com certeza produto das quase cinco dezenas de páginas em que a história ocorria mas essencialmente da fulgurante imaginação e world-building dos autores que a criaram. Os pormenores estranhos e alienígenas seguiam-se em catadupa, não possibilitando respirar antes de fornecer um novo elemento de uma cultura extra-terrestre ou de uma paisagem cósmica. Éramos largados de forma abrupta neste futuro carnavalesco e tínhamos de nos adaptar. Muito do charme desta BD vinha daí. Besson consegue adaptar essa vertigem. Os eventos, a estranheza, a verdadeira "extra-terrestrealidade" de Valérian passa do papel para a imagem em movimento. E que imagem em movimento. Esse é, sem dúvida, um dos maiores atractivos desta adaptação. O cuidado de cada pormenor, a sumptuosidade das geografias, das criaturas e dos locais são evocativos da obra original e tentam ir um pouco mais à frente (existe mesmo, aqui e ali, tempo para retirar cenas directamente dos quadradinhos).

Como em qualquer história que fique para a História, é a atractividade das personalidades que solidifica a narrativa e o world-building. Se na BD isso é um dos pontos fortes na adaptação vacila, muito por causa da escolha do actor para corporizar Valérian. No enredo d'O Embaixador das Sombras, a personagem titular esteve ausente da maior parte da narrativa. Era substituído pela forte e emancipada Laureline, que navegava pelos labirintos de Ponto Central em busca do seu companheiro raptado. Enquanto via o filme esperançava que Besson tivesse seguido mais à risca a obra, não só porque Laureline é, de uma forma geral, uma personagem mais interessante que Valérian, como a actriz, Cara Delevingne, de quem eu não esperava nada e receava tudo, é francamente superior ao seu companheiro, o muito-difícil-de-simpatizar-e-de-ver Dane DeHaan. DeHaan é a prova que um mau casting pode fazer coxear um filme - será que a minha escolha pessoal, Louis Garrel, não sabe falar inglês ou não quer meter-se em filmes-pipoca? Felizmente que Cara consegue ser aquilo que se esperava, ainda que não seja genial. E, já agora, a aparição de Rihanna é, de facto, um cameo delicioso.

Um divertido filme para o Verão e um dos mais interessantes blockbusters do ano.

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