Ghost in the Shell de Rupert Sanders

Um dos mais míticos anime (desenhos animados japoneses) estreou em 1995 e chamava-se Ghost in the Shell. Realizado por Mamoru Oshii, era baseado no mangá (BD japonesa) do mesmo nome da autoria de Masamune Shirow. A versão de animação acabaria por transformar-se num dos mais celebrados e elogiados trabalhos desta Arte, pela complexidade dos temas e pela abordagem sofisticada. Num ano onde a internet começava a dar os primeiros passos, Ghost in the Shell antevia o que hoje esta revolução na comunicação humana é: uma complexa rede de troca e dependência de informação, onde o ser humano navega num prodigioso e imenso oceano de conhecimento - quer o aceda para adquiri-lo, quer se dedique ao lado mais lúdico.

No século XXI das adaptações cinematográficas de BD dos EUA, era só dar tempo para que as produtoras ocidentais começassem a minar a inesgotável fonte de criatividade desta Arte nas terras nipónicas. Claro que não é nenhuma novidade, mas as tentativas, até agora, aconteciam essencialmente no Japão ou, quando aqui chegavam, eram de cariz mais autoral - lembro o incontornável Oldboy de Park Chan-wook (recuso-me a falar de coisas como Dragonball). Ghost in the Shell era aquilo que alguns chamariam de um no-brainer: uma das mais celebradas anime/mangá; atmosférico e complexo; uma evolução do famoso Blade Runner de Ridley Scott. Resultou?

Para mim, sim e não. Sim, porque o visual são é sofisticado e inventivo, cada frame, cada mise en scéne, cada décor, um prodígio de design e imaginação. Verdade que o anime já o era, mas não só esta adaptação live-action copia onde deve copiar (a belíssima criação da heroína; a emblemática perseguição nas ruas que acaba num "lago" urbano; a queda da protagonista de um prédio; o mergulho nocturno) como inova onde deve inovar. Em suma, é criado um mundo rico em termos estéticos. 

Onde ele falha (mas não tanto quanto estou a dar a entender) é na história. Esta difere substancialmente do original, em ternos de enredo, e não assume a profundidade filosófica de forma tão autoral. No que respeita ao enredo não ofereço tanta resistência, mas no que respeita à reflexão que o anime inspirava poderiam ter dedicado um pouco mais de tempo e palavras. Outros dirão que faltará acção ao blockbuster que este live-action de Ghost in the Shell tenta ser. Os fracos resultados de bilheteira serão disso, provavelmente, prova - polémicas de whitewashing à parte. Mas a fonte original nunca foi um filme de tiros e de perseguições no sentido mais americano do termo. Esperar isso ou fazê-lo seria abastardar a obra-prima que é o original.

Ainda que incorra o risco de alguma ira, fiquei impressionado com a prestação de Scarlett Johansson como protagonista. A actriz possui a força necessária para a profundidade dramática e para as cenas de acção. O olhar distante e melancólico que é uma sua marca adapta-se à narrativa de Ghost in te Shell e, em mais do que um filme, já provou que é um herói de acção taco a taco com os melhores - já repararam que com Wonder Woman e Atomic Blonde podemos estar a presenciar o Ano Um dos filmes de acção protagonizados por mulheres?

Não sendo um filme perfeito é, contudo, uma adaptação divertida, profunda e relativamente fiel. Apesar de não ser um sucesso comercial, no que a mim diz respeito, não envergonha nenhuma das versões anteriores. 

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