Eu acredito em coincidências. Não acredito no destino. Acredito na causa e na consequência. Pura e dura. Mas é sempre delicioso quando um conjunto de eventos parecem interligar-se numa mesma narrativa, como se fizessem parte de um filme.
Há duas semana atrás, o canal generalista de TV, a SIC, lançou, em três partes (vejam-nas aqui, aqui e aqui) umas das mais essenciais reportagens de investigação jornalística dos últimos anos. Ao mesmo tempo, foi descoberto o "esquecimento" de fiscalização, por parte das Finanças, da transferência para offshores, de cerca de 10 mil milhões de euros. A semana passada foi lançado este filme do realizador Marco Martins, São Jorge, protagonizado por Nuno Lopes, cuja narrativa centra-se nas consequências da vinda da Troika a Portugal e da austeridade financeira que vingou no país na mesma data.
São Jorge é a história de um boxeur sem emprego, que se vê obrigado a oferecer o corpo (o último recurso na miséria) a uma empresa de cobrança de dívidas, que prosperaram nos tempos de estrangulamento financeiro que coincidiram com a Troika e a austeridade. Como referiu Daniel Oliveira na sessão que tive a sorte de assistir (com a presença, para um Q&A, do realizador e actor), é raro encontrar a preocupação dos artistas para temas tão relevantes quanto estes, actuais e fracturantes. A realidade é que é já o segundo (ou quarto, se quisermos ser certos) que fala desta época, ainda fresca, demasiado recente e, infelizmente, ainda não acabada. Primeiro tivemos a maravilhosa trilogia de Miguel Gomes, As Mil e Uma Noites, e agora este São Jorge.
Ao contrário de As Mil e Uma Noites, esta nova colaboração cinematográfica entre Marco Martins e Nuno Lopes (depois de Alice), é uma história relativamente convencional, filmada com a destreza e a arte de quem sabe o que contar. Marco Martins é seguro nos momentos que escolhe, todos eles confluindo na mensagem clara da narrativa. Nuno Lopes, por seu lado, é um gigante preso ao corpo de um homem resoluto e obstinado, marcado pela dificuldade e pela miséria.
São Jorge é uma história de derrota e de vitória, mas não no sentido convencional. É a busca do amor nos escombros, mas não da forma fácil. É um filme português mas, ao mesmo tempo, liberta-se desses grilhões. É, acima de tudo, um grande filme. E isso já é tudo o que interessa.
2 comentários:
Vou ver o filme ao cinema. Muito obrigado pela sua crítica e links para a Grande Reportagem da SIC.
Muito obrigado por ter lido.
Espero que volte ao Blog e que passe a palavra.
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