Kazuo Kamimura, autor de Mangá da década de 70, foi presenteado este ano com uma exposição e homenagem no indispensável festival de BD de Angoulême, dando a conhecer a obra impar e autoral deste artista. Hedonista e bon-vivant, Kamimura viveu muito e morreu cedo (aos 47 anos) deixando, contudo, um legado único no panorama da 9.ª Arte, dentro e fora das fronteiras do Japão. A sua obra mais conhecida, Lady Snowblood, é uma parceria com Kazuo Koike, o mesmo do essencial Lone Wolf and Cub, tendo sido mesmo objecto de adaptação ao cinema. Ainda que não tenha lido Lady Snowblood, Le Club Des Divorcés está longe da temática medieval, samurai e de acção deste mas não deixa de partilhar algo do DNA: uma protagonista feminina. Este dado aparentemente inocente não deixa de ser relevante no contexto da época e da cultura japonesa.
Le Club Des Divorcés relata-nos a vida de uma mulher divorciada em Tóquio da década de 70, que decide vencer as dificuldades financeiras que essa situação acarreta abrindo um bar de acompanhantes e prostituição no famoso bairro de Ginza. O ponto de vista da narrativa cinge-se exclusivamente à protagonista, centrando-se na opção de vida e nas consequências que a mesma tem para o seu quotidiano e para aqueles que dependem dela. Yuko é uma mulher complexa numa sociedade profundamente machista, onde o divórcio é visto de forma fracturante. Apenas com 25 anos, tendo ao cargo uma filha que tem de deixar ao cuidado da mãe, vale-se da beleza e experiência para seduzir homens, quer para o trabalho, quer para a vida pessoal. Nesse delicado equilíbrio entre uma e outra esfera, Yuko revela-se complexa nas falhas, uma espécie de predador benévolo que tem total conhecimento da sua ferocidade e poder. Nem sempre esse poder ela consegue levar a um bom porto, acossada pelas exigências de mãe, pelas exigências de ser patrona do Clube e, principalmente, pela busca frenética e amedrontada que enceta de modo a vencer a sua solidão presente e principalmente a futura.
Kamimura exibe um delicado equilíbrio e sensibilidade , construindo em Yuko uma personagem exigente ao estilo de uma Madame Bovary ou mesmo Anna Karenina. Esta é uma mulher que tem que vencer num mundo de homens e para homens, dona e vitima da sua beleza, como muitos dos grandes personagens femininos clássicos (nisso, também eles um pouco machistas). O autor é dono de silêncios reveladores e de uma narrativa escorreita que obriga à atenção do pormenor, em sequências de eloquência cinematográfica. Sem duvida uma obra única e obrigatória.
Sem comentários:
Enviar um comentário