Video Killed the Radio Star ou o Trump sempre existiu.

No Websummit deste ano em Lisboa, Ann Mettler, directora do Centro Europeu de Estratégia Política (EPSC), disse que "sem 'social media' Trump não seria candidato". Não estive lá e desconheço o contexto ou a sequência do seu discurso mas permitam-me tecer alguns pontos. Poderíamos interpretar que existe uma culpa quase demoníaca das redes sociais, da Internet, do Facebook, etc., pelo aparecimento de Donald Trump como candidato à presidência dos EUA (e, agora, presidente). Sinceramente não acredito nisso. As redes sociais não são mais do que tecnologia e, neste caso, um poderoso instrumento de democratização das opiniões, mesmo daquelas que são do nosso desagrado. Existem várias que preferíamos não existir. Posso dizer sem pudor que as opiniões de Trump não me agradam nada. Mas numa democracia é-me permitido discordar e a ele proferi-las a viva voz. Como dizia-se no filme Batman v Superman, "a democracia é um diálogo", o que é uma outra forma de dizer o mesmo que Voltaire: "discordo do que tu dizes mas lutarei até à morte para que o possas dizer". Quando assim deixa de ser, para qualquer dos lados da discussão, teremos o oposto da liberdade.

Voltemos à questão da tecnologia. Eu não era nascido à altura mas o primeiro debate televisivo aconteceu entre John Fitzgerald Kennedy e Richard Nixon. Não sei se imaginei mas lembro de ter lido que parte da vitória de JFK deveu-se à sua fotogenia - numa outra escala, Manuela Ferreira Leite apelou a que, nas eleições do PSD, não votassem no candidato bonito (não sei se Passos Coelho gostou ou não do reparo). Não foi por causa do debate televisivo que nasceu a futilidade, chamemos-lhe assim. Ela já existia e a disponibilidade da informação, a da cara agradável de JFK, despertou o que não tinha tido oportunidade de revelar-se. O mesmo se aplica a esta invenção maravilhosa e absurdamente importante: a internet. Com ela surgiram o comércio electrónico, os message boards, os smartphones, as redes sociais. Muitos escolhem o anonimato para vociferar opiniões menos educadas, outros percebem nesse zeitgeist  uma insatisfação, um potencial, almas gémeas em gostos e tendências. Se eu posso escrever sobre Banda Desenhada, Cinema e Música porque outros não podem fazer o mesmo com os seus gostos e ideais políticos? E o mais interessante é que, com a Internet, ocorre a democratização da opinião. Ela não se limita a círculos intelectuais ou sócio-económicos privilegiados . Deal with it!

Duas notas antes de terminar - neste que não deixa de ser um post-opinião que só poderia existir com a internet. Primeiro, lembram-se quando a MTV abriu a sua emissão? A canção era Video Killed the Radio Star de Bruce Woolley and the Camera Club. Segundo, no final do filme O Artista de Michel Hazanavicius percebemos o porquê do personagem interpretado por Jean Dujardin ser um actor do cinema mudo caído em desgraça com o aparecimento do som. A tecnologia não melhora nem piora nada. O que fazemos com ela revela mais o que somos do que o que ela é.