O que tem Isabelle Huppert que cativa tanto os realizadores? Sei que Paul Verhoeven não tinha em vista a actriz quando começou a trabalhar neste Ela mas, após várias tentativas, esbarrou em Huppert, que tomou conta do papel da protagonista, Michèlle. O curioso é que, no que a mim diz respeito, dois dos meus filmes favoritos do ano, este e L'Avenir, têm como actriz principal a maravilhosa Isabelle. A sua presença é, se não omnisciente, pelo menos omnipresente, a figura e os diálogos conquistam cada frame e cada enquadramento ao ponto de todos à volta serem pouco mais que coadjuvantes - mesmo quando o personagem não controla a acção. Não é por acaso que este filme se chama Ela, porque a narrativa navega por todos os caminhos da vida de Michèlle. É ela que guia cada passo da história porque é dela a história. Podem, claro, perguntar: mas não é sempre assim? Não sempre e não desta forma.
O primeiro plano logo disso nos informa porque vemos uma acto violento envolvendo a protagonista visto primeiro pelo véu do ecrã negro e, depois, pelos olhos de um curioso sujeito. Ao escolher o ecrã negro, Verhoeven pode estar a dizer-nos que nenhum outro ponto de vista interessa a não ser o de Michèlle. Portanto, é nas consequências do acto bárbaro da primeira cena que devemos centrar a nossa atenção. E por consequência entendamos "o que Michèlle irá fazer". Quanto ao sujeito curioso (ou curioso sujeito) escuso-me a comentar porque deixo as conclusões à vossa liberdade. O filme, a partir daí, é uma profunda análise (fria, distante) à personalidade de uma mulher cativante, que consegue, na sua capacidade centrífuga, deslocar para si as atenções de todos à volta. Parte dessa inevitável atracção deve-se a eventos do passado mas, e aí reside um dos mistérios do filme, também à sua enigmática personalidade. Uma personalidade atraente, sim, mas estranhamente destrutiva, como (perdoem o lugar comum) uma força da natureza. É difícil perceber se estamos do lado de Michèlle ou não, porque a narrativa ziguezagueia pela vitimização e controle. Quem é Michèlle é uma pergunta que a princípio não colocamos de forma definitiva mas que, no final, forma-se em letras garrafais e sublinhadas. O que, na maior parte das narrativas, acontece ao contrário. Começamos pelo mistério e este resolve-se. Aqui começamos pelo mistério e ele adensa-se e nunca se revela (será?).
Verhoeven é o mesmo realizador de Robocop, Starship Troppers, Basic Instinct e Total Recall e este Ela não poderia estar mais longe de cada um dos mencionados. Não falo (nunca) de qualidade mas de temática. É um filme assumidamente europeu e francês, com uma actriz desse mesmo país com uma capacidade de risco raramente (ou nunca) visto nas senhoras de Hollywood. Parece que muitas recusaram-se a este papel e ainda bem porque dificilmente alguém tira o lugar de "melhor actriz do ano" à maravilhosa Huppert. Não só por este maravilhoso Ela mas também por outro grande filme, o já mencionado L'Avenir. Vão ver antes que saia das salas do cinema.
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