O que vou lendo! - Parque Chas de Ricardo Barreiro e Eduardo Risso

Na Folio deste ano, festival literário de Óbidos, o autor islandês Jón Kalman Stefánsson afirmou que o Realismo Mágico "está em todo o lado". Esta corrente literária está associada principalmente a autores da América do Sul como o famoso e brilhante Gabriel García Marquez, mas o islandês diz que no seu país desde há muito que ela ali existe. Por causa da sazonal falta de sol inventaram histórias e mitologias para assim subverter e entender a realidade do dia-a-dia: "Surgiram os Elfos e outros seres fantásticos. Temos poucos habitantes. No século XVIII, quase nos extinguimos. Nós contámos essas histórias para sobreviver. Agora chamam a isso realismo mágico…". Contudo, não se fica por aí: diz que a Bíblia ela própria é um exemplo de Realismo Mágico. Não parece exagerado. Se estendermos ainda mais a geografia e recuarmos mais no tempo, A Ilíada de Homero, obra fundadora do mundo ocidental, mescla o fantástico com a brutalidade da sangrenta Guerra de Tróia. Desde cedo, o Homem procura fazer sentido do lógico (ou ilógico) do Real através do Fantástico. Verdade que existe uma grande diferença entre os 100 Anos de Solidão e O Senhor dos Anéis mas, no essencial, não andarão à procura de uma mesma coisa? 

Outro dos conceitos que chamaram-me a atenção no discurso de Stefánsson foi a questão do Determinismo Geográfico. Num país onde o Sol desaparece durante largos meses, onde a dureza do clima e das temperaturas é constante, onde a escuridão não é um mero conceito literário, os islandeses inventaram Elfos. Apesar de o Parque Chas não ser uma geografia natural (o Determinismo Geográfico a isso obriga), a orografia urbana do bairro de Buenos Aires é ela própria, numa inversão cativante, propensa à invenção de histórias, de mitologias. É disso que Barreiro e Risso, ambos argentinos, aproveitam-se para construir uma Banda Desenhada que é, ao mesmo tempo, parte Realismo Mágico e parte crónica social. Os autores aproveitam para contar uma história de entretenimento e comentário político, misturando, para o efeito, o fantástico e a ficção científica com os arruamentos de um bairro labiríntico da capital Argentina. 

Risso é bastante conhecido, no que a mim diz respeito, pelo seu trabalho nas fabulosas 100 Bullets e neste Parque Chas tem um estilo mais detalhado e menos noir. Não deixa, contudo, de ser apropriado e apenas revela a versatilidade do desenhador. A história é também ela labiríntica e recorre a uma prosa por vezes floreada ao ponto da distracção. Não tira prazer à leitura mas fica a sensação de que alguma contenção não seria descabida. O que acaba por acontecer nos últimos capítulos, os da resolução do enredo, em que o escritor parece adquirir maior "confiança" no desenhador.

Parque Chas é, ele próprio, uma entidade viva, um bairro cheio de identidade que Barreiro e Risso aproveitam para construir uma Banda Desenhada que procura encontrar o Mito dentro do Real. Uma boa companhia nesta colecção de BD da editora Levoir, Novelas Gráficas.

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