O filme Leviatã começa e acaba com as mesmas imagens. A câmara, no início, observa paisagens em escalas cada vez menores, aproximando o espectador do drama que irá desenrolar-se. No final, amplia o seu enquadramento até regressar à paisagem ampla de um oceano calmo e colossal. Andrey Zvyagintsev, desta forma, afasta-se propositadamente de um tema que, no seu país, já adivinhava ser de cisão. As reações a Leviatã na Rússia foram, nada surpreendentemente, fortes, principalmente as proferidas por aqueles que colavam a narrativa exclusivamente ao actual estado desse país, especialmente sob a governança de Vladimir Putin. O realizador, face a estas posições, incentivou o seu povo a recorrer à pirataria para que pudessem ver, pelos seus próprios olhos, sobre que mensagem a ira se levantava. Quatro milhões de russos fizeram-no.
Leviatã pode ser, de facto, O Processo russo. A história de um homem (e da sua família) sujeita à arbitrariedade de um poder estatal, ao inclemente avanço de forças que não pode nem consegue controlar. Mas é muito mais que isso. Leviatã é um retrato de uma certa Rússia dos dias de hoje, onde o valor da vida é nulo perante o avanço inexorável dos desejos aparentemente aleatórios do poder. Nenhuma força de verdade, nenhum poder da moralidade parece surtir qualquer efeito nos quereres e desmandos de uma classe que se julga intitulada. Uma classe, um poder, instituído e que governa única e exclusivamente para se auto-alimentar. Contudo, existe uma pergunta lícita que qualquer espectador poderá fazer: não é esta uma história universal? Não é esta história do poder e do seu (inevitável?) abuso algo tão antigo quanto a História do Homem ele mesmo? Como tantos outros artistas dotados do dom da narrativa, o realizador consegue agarrar no microscópico e transformá-lo no universal (foi desse modo que interpretei as imagens do início e do fim). O que, sim, é assumido ser um filme sobre o actual estado da Rússia, ao fotografar um local e uma época, é também algo mais amplo e profundo: uma reflexão sobre a universalidade do abuso do poder, quer seja da forma clara, violenta e directa, como o é neste Leviatã, quer seja numa roupagem mais subtil. O monstro bíblico transforma-se numa gigantesca baleia que se esconde debaixo da calmaria do oceano.
Um filme poderoso e incontornável. Não apenas pelo retrato de um estado actual das coisas mas, principalmente, pelo reflexo negro e distorcido da arbitrariedade do poder que não olha a meios para alcançar os mais pequenos, egoístas e abjectos desejos.
Leviatã pode ser, de facto, O Processo russo. A história de um homem (e da sua família) sujeita à arbitrariedade de um poder estatal, ao inclemente avanço de forças que não pode nem consegue controlar. Mas é muito mais que isso. Leviatã é um retrato de uma certa Rússia dos dias de hoje, onde o valor da vida é nulo perante o avanço inexorável dos desejos aparentemente aleatórios do poder. Nenhuma força de verdade, nenhum poder da moralidade parece surtir qualquer efeito nos quereres e desmandos de uma classe que se julga intitulada. Uma classe, um poder, instituído e que governa única e exclusivamente para se auto-alimentar. Contudo, existe uma pergunta lícita que qualquer espectador poderá fazer: não é esta uma história universal? Não é esta história do poder e do seu (inevitável?) abuso algo tão antigo quanto a História do Homem ele mesmo? Como tantos outros artistas dotados do dom da narrativa, o realizador consegue agarrar no microscópico e transformá-lo no universal (foi desse modo que interpretei as imagens do início e do fim). O que, sim, é assumido ser um filme sobre o actual estado da Rússia, ao fotografar um local e uma época, é também algo mais amplo e profundo: uma reflexão sobre a universalidade do abuso do poder, quer seja da forma clara, violenta e directa, como o é neste Leviatã, quer seja numa roupagem mais subtil. O monstro bíblico transforma-se numa gigantesca baleia que se esconde debaixo da calmaria do oceano.
Um filme poderoso e incontornável. Não apenas pelo retrato de um estado actual das coisas mas, principalmente, pelo reflexo negro e distorcido da arbitrariedade do poder que não olha a meios para alcançar os mais pequenos, egoístas e abjectos desejos.
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