Her de Spike Jonze


Este é um filme belo. Não só pela soberba fotografia, mas também pelos décors, pela curvilínea voz de Scarlett Johansson, pelos sussurros estudados de todos os protagonistas, pela força da história.

Um aplauso de pé à estética da imagem, inspirada no trabalho de uma fotógrafa japonesa, Rinko Kawauchi, conhecida pela contenção dos elementos presentes em cada fotograma e pela exuberância das cores (obrigado, Adriana e Gastão, por me terem dado a conhecê-la). Um agradecimento à pensada decoração deste futuro próximo, onde a humanidade parece viver no interior de anúncios da Coca-Cola, num mundo pintado com as cores da alegria exterior. Contudo, dentro, o sentimento é o oposto. Algo escapa-lhes. Como acontece com Theodore Twombly, protagonizado pelo excelente Joaquin Phoenix. Ele é capaz de tecer cartas de beleza delicada, cartas de pesar e alegria que outros dedicam a amigos e familiares, mas vive abandonado (o personagem trabalha numa empresa que “cria” cartas “pessoais”). Por escolha própria. Por viver numa sociedade aproximada e afastada pela tecnologia, num claro comentário a um paradigma moderno.

Tudo muda no momento em que “conhece” Samantha, a voz de um inovador sistema operativo, senciente, capaz de aprender, evoluir e, acima de tudo, sentir. Sentir tudo, até a mais complexa das emoções. O Amor. Mas também o ciúme, a curiosidade, a ânsia de conhecer mais e muito mais. Ir além de si mesma. Conhecer e raciocinar a mil anos-luz por segundo e chegar onde ninguém poderia almejar chegar. Transcender a necessidade do corpo e da matéria. Nela, Sentimento é Palavra. Tal como no Génesis, no início era o Verbo e o verbo é tudo quanto precisamos para Ser. Publicidade com a assinatura “Cogito, ergo Sum”. O Homem é Deus e a criação supera-o.

Nos meandros da história engendrada (tecida?) por Spike Jonze, existem coisas que dificilmente a palavra escrita permite sintetizar. Aqui acontece outra das vitórias do filme, a imagem como força do Cinema. Apesar de reinar o vigor da Palavra, da dita, da sussurrada, da cadenciada e delicadamente entoada, este é também um filme da província da imagem. Da que não necessita de vocábulos. Da que se afasta quando a palavra é mais forte que mil imagens. Se o mundo fosse um lugar onde eu era o único a votar para os óscares, este era o filme vencedor (na realidade eu queria mesmo era que La Vie D’Adèle ganhasse tudo em todo o lado, mas não sendo possível...).


Este é daqueles que, um dia, num futuro talvez não muito longínquo, será citado em teses de doutoramento, daquelas que procuram saber do impacto sociológico e psicológico da tecnologia. Quem sabe, aí, venham a saber do verdadeiro valor do que Spike Jonze aqui fez. Entretanto, os que apreciam Beleza, sabem o que fazer com este Her.

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