Comprei e li este livro por razões que não
serão as mais puras (ou intelectuais – que pecado!). Sabia que tinha sido a
base de inspiração para o filme La Vie
D’Ádele – parte 1 e 2 de Abdelatiff
Kechiche, que venceu a Palma D’Ouro de Cannes este ano e fiquei, naturalmente, curioso, não só pela
película em si mas também, e por osmose, por querer saber o que teria inspirado
o realizador a fazer algo tão comentado. Sim… tenho o meu lado de alcoviteiro!
A história do volume é exatamente aquela do
filme (ou melhor, o contrário), uma história de amor entre duas raparigas
adolescentes. Existe a paulatina descoberta e a intensidade de uma relação que (parece)
ser apenas possível com esta idade. Tudo é novo, por vezes de forma aterradora,
tudo é sentido na pele e no amago, sem balizas, sem discernimentos - ditos
maduros. E este sentimento, esta intensidade, é esplendorosamente focada neste
livro. Existem outros exemplos muito interessantes na BD sobre amor adolescente,
e os que são verdadeiramente relevantes são aqueles que suplantam as meras
roupagens da rapariga ou rapaz que descobre o amor (que pode ou não ser o da
vida). Lembro-me, por exemplo, do extraordinário Blankets de Craig Thompson
(podem ler aqui o que escrevi sobre ele há alguns anos), um produto final
bastante diferente deste Le blue est un
couleur chaude, mas igualmente relevante no contexto do que foquei até
agora. Enquanto o trabalho de Thompson
é autobiográfico, o de Mahon não o é,
tal como já acerrimamente defendido pela autora. Enquanto o primeiro exibe já
um maturado controle não só da arte de contar uma história em BD como do
próprio desenho, a autora belga (que começou o álbum com 19 anos e trabalhou no
mesmo durante 5 anos) ainda tem caminho a percorrer nestes dois aspetos.
Contudo, este trabalho possui profundidade e complexidade emotiva suficientes
para não deixar muito espaço para o considerarmos como naïf. Algumas das
escolhas gráficas da autora, nomeadamente o facto de o passado ser a preto e
branco e o presenta a cores, revelam algum deslumbramento face a soluções
narrativas, mas as mesmas não funcionam em detrimento do desfrute da história e
dos personagens, os verdadeiros protagonistas da qualidade intrínseca de Le blue est un couleur chaude.
Como já disse, este é um livro de sentimentos
à flor da pele, sentidos com o sabor de quem os descobre pela primeira vez ao
mesmo tempo que se descobre a si (o que, muito de nós, tem dificuldade em
fazer). E, já agora, o facto de a história ser de um amor lésbico é apenas uma
roupagem que em nada afeta o conteúdo e mensagem essenciais ao conto. Nisto
reside muita da beleza e relevância. Uma capacidade de reconhecer a
universalidade dos sentimentos de amor, da descoberta enquanto fator
libertador, de plenitude do eu.
Os dois personagens principais, as duas
mulheres, estão perfeitamente definidas, alicerçadas não na facilidade e
falácia do senso comum ou do choque pelo choque, mas antes na verdade que lhes
é intrínseca, na sucessão de escolhas que as fazem e as completam. Ainda que
com algum melodrama à mistura, todas as opções parecem verdadeiras, mesmo as
cobardes, mesmo as corajosas, mesmo as comuns. E são estas últimas as que mais há,
aquelas que passam despercebidas, que são apenas relevantes na vida de cada um
dos personagens.
Uma obra deslumbrada e deslumbrante. Mal posso
esperar para ver o filme e ver qual dos dois é o melhor.
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