O que é que aconteceu a Mallick?
To the
wonder tem todas as inquietações e
caprichos do realizador. Os planos borboleta, em que a câmara voa, trémula, à
volta dos atores e da ação, na procura do suspiro, do gesto infinitesimal, do
íntimo universal. O sol a espreitar pela folhagem das árvores. A contemplação
da beleza e fúria da natureza. Os diálogos a meio caminho entre a oração e o
poema. Mas... falta uma enorme coisa.
Mallick é um fotógrafo capaz de reter o que de mais belo o
corriqueiro encerra, capaz de, câmara ao colo, grande angular montada (mesmo
que abusando), viajar pelos interstícios dos segundos e raptar o momento de
sublime estética. Capaz de acomodar quilómetros de película num todo uniforme,
mesmo que esse todo seja revelado pelo recorte, pelo pressentido e não pelo
explícito. Mas... falta uma enorme coisa.
Falta história, será isso? Nos filmes anteriores,
ela existiu e melhor, sem duvida. Não falo de complexidade, falo de algo que eu
próprio não consigo explicar mas que falta em To the wonder, como se estivessemos a ouvir uma canção que sabes ser
bem estruturada, certa, mas à qual falta liberdade. Algo similar é dito (em
italiano) ao principal personagem deste filme, protagonizado por Olga Kurylenko, que precisa libertar-se,
sair da solidão onde está. Será que Mallick
fala de si mesmo, ele que tantas vezes cinge-se às monótonas paisagens das
pradarias norte-americanas? Não sei se será isso... mas que falta uma enorme
coisa, falta.
Os atores, que no passado tantas vezes criticaram Mallick por os ignorar, têm neste
filme razões para se sentirem esquecidos ainda que apareçam em todas as cenas. Poucas são as
palavras que saem das suas bocas, salvo as em voz off. Ben Affleck é
quase inexistente. Tanto faz estar ali ele como um outro qualquer (por
exemplo, eu podia lá estar que não fazia diferença nenhuma). Javier Bardem tem mais a dizer mas pouco acrescenta. Kurylenko é a omnipresença do filme,
bela, luminosa, divertida como um pássaro livre, mas pouco mais é que isso (acho
que Mallick disse-lhe várias vezes: “abre
os braços e corre à minha frente que eu sigo-te com a câmara). Rachel McAdams dá um ar da sua graça mas
desaparece tão depressa quanto surge (mas sempre diz mais umas coisinhas que Affleck).
Tenho uma relação bastante saudável com os filmes de Mallick e não vou desistir dele assim de
repente, mas (e os deuses que me perdoem pela blasfémia) neste eu ia quase
adormecendo.
Sem comentários:
Enviar um comentário