Zero Dark Thirty (00:30 Hora Negra) de Kathryn Bigelow


Kathryn Bigelow, a primeira e até o momento única mulher a vencer o óscar de melhor realizador, está de volta, continuando o tema do seu anterior filme, The Hurt Locker. Enquanto que este lidava, pelo prisma dos combatentes, com uma das guerras em que os EUA se envolveram neste início do século XXI, Zero Dark Thirty, como particularmente publicitado, relata a caça, levada a cabo pelo governo norte-americano, do principal responsável por um dos maiores massacres da história da humanidade em geral e da americana em particular: Osama Bin Laden. Mesmo para quem não tem estado a par da política e da sociedade dos EUA nos últimos 10 anos, consegue perceber o porquê da necessidade desta catarse colectiva abordada no filme. Bigelow, contudo, não se perde pelos caminhos do filme de vingança du jour, antes emprega todos os recursos artísticos à sua disposição para nos documentar (é essa a palavra mais correta) os eventos mais importantes que levaram à empresa bem sucedida de matar um dos maiores inimigos confessos do estilo e filosofia de vida americanos (apenas esse?). Bigelow nunca segue o caminho pueril de comparar culturas ou estilos de vida. “Limita-se” a narrar um filme de ação real, os meandros do processo de aquisição de informação, da sua distribuição pelos corredores do poder e, por fim, da necessidade de tornar ação as intenções e as suspeitas que daí advêm.

Este foi um filme que gerou várias polémicas que tocaram extremos como “elogio á tortura”, “lavagem da imagem norte-americana ao estilo de Leni Riefenstahl”, mas ao vê-lo, ainda que pouco distante dos eventos reais que procurou retratar, não me ficou esse “amargo de boca”. Existe mesmo um certo distanciamento face ao retratado, distanciamento esse que não deixa de ser sublinhado por apontamentos e opiniões emocionais por parte da autora. O filme inicia-se, a negro, com relatos de chamadas telefónicas de vitimas do atentado 9/11, seguindo-se uma longa sequência (a geradora de maior polémica) relativa ao processo de tortura (o infame e famoso waterboarding) que permitiu a aquisição de informação ao longo de todo o processo que culmina na morte de Bin Laden. Esse derradeiro evento é retratado de forma particularmente interessante, numa excelente longa sequência final que oscila entre a “distante” câmara de cinema, a contadora de histórias, e as gravações em primeira pessoa por parte dos soldados encarregues da missão. Como se fossemos o presidente dos EUA, Barack Obama, e os seus principais adjuntos, a acompanhar os eventos à medida que se desenrolam. Existe um cheiro a taxativa realidade, um ponto de vista terra-a-terra que nos arrasta andar acima até o topo do edifício onde está a expiação final. Tudo sem discursos grandiloquentes. Apenas uma grossa camada de real.

É sempre interessante ver a velocidade e veracidade com que os norte-americanos (e não acredito ser apenas uma questão económica) lidam com fantasmas e eventos traumatizantes, tão cedo após os mesmos terem ocorrido. Como podemos esquecer que Apocalypse Now de Francis Ford Coppola saiu em 1979, 4 anos após o fim do conflito no Vietnam? Ou o facto de World Trade Center e United 93 de Oliver Stone e Paul Greengrass, respectivamente, serem ambos de 2006, meros 5 anos após o atentado a Nova Iorque? Portugal ainda hoje mal consegue exorcizar os medos do Estado Novo, 40 anos após o seu fim, ou o 25 de Abril de 1974. Os norte-americanos fazem-no, de forma mais ou menos verdadeira (e apenas eles serão os melhores juízes), nem uma década depois.

O filme é também o relato do caminho seguido pela principal responsável da captura de Bin Laden, interpretada pela excelente Jessica Chastain, é também a descrição de uma intensa mulher que, apenas pela força de carácter e insistência viril, consegue levar a cabo o seu prisma. Uma mulher que existe na realidade (ainda que o seu nome esteja ocultado por razões óbvias) e a responsável solitária de um momento importante da história norte-americana. Há uma inexorabilidade na teimosia e na insistência do personagem, como se desde o início soubéssemos (e sabemos) que era certo o desenrolar final da história (com H grande e pequeno).

Não há aqui patriotismos bacocos. Apenas um muito bom filme. 

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