“Os Sopranos” 1 ª temporada
Eu tenho uma teoria!
Todos conhecemos “A Ilíada” e “A Odisseia” de Homero, “D. Quixote de la Mancha” de Cervantes, “Rei Lear”, “Hamlet” e “Romeu e Julieta” de Shakespeare, “Ulisses” de James Joyce... Obras que há muito transcenderam a categorização de obras-primas e ascenderam ao mui restrito grupo de “património da humanidade”. Arte que nos ajudou a definir como seres humanos, que são a infra-estrutura da nossa civilização, que nos transmitiram mais do que palavras entrelaçadas com outras palavras. Que se tornaram Deuses.
Desculpem se ofendo a sensibilidade de alguém, mas eu acho que “Os Sopranos” um dia irão fazer parte da mesma categoria. Todos os 86 episódios e não apenas os 13 desta 1ª temporada (chamemos-lhe, a partir de agora, aquilo que na realidade são, capítulos).
Acabei a primeira etapa do prazer (não queriam que eu chamasse isto de tarefa, queriam?) que, desde que a série acabou o ano passado, eu queria voltar a desfrutar: rever todos os 86 capítulos desta epopeia.
E agora? Por onde começar? O alcance da história de “Os Sopranos” é, na minha opinião, Gigante. Reparem no G capital. Não é engano.
A primeira cena mostra-nos Tony Soprano a olhar para a estátua de uma mulher nua, esculpida em estilo clássico. Depressa descobrimos que Tony será o nosso ponto de vista, o herói da narrativa, a palavra herói aqui entendida no sentido literário do termo, ou seja, como o “principal personagem de uma obra da literatura, dramaturgia, cinema, etc” (in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Temas & Debates). A estátua encontra-se na entrada do escritório de uma psicóloga, recomendada a Tony para que este possa enfrentar os seus “ataques de pânico”. E assim, com nada mais que um suspiro, inicia-se a subversão narrativa. Tony é um mafioso de Nova Jérsia, capo de uma das famílias criminosas que se alimenta e alimenta a pobreza humana. Tony é “um homem entre homens”, macho-alfa de duas famílias: a já referida, a mafiosa, e outra, a clássica, a da mulher e do casal de filhos. E estes dois mundos confrontar-se-ão física e metaforicamente ao longo de toda a obra.
Esta primeira temporada ( Acto? Tomo?) irá analisar uma importantíssima parte da nossa psique, da nossa cerne, o poder da mãe, o peso da base maternal. A mãe de Tony, latina de origem, católica de formação, é um poço de ódios, invejas e ressentimentos que arrastou consigo toda uma vida, ruidosas correntes com as quais constantemente fere todos à sua volta. Principalmente filhos e marido. O clímax desta relação anti-edipiana é um estrondo para Tony e para o espectador, que se vêem confrontados com a fragilidade das relações entre seres humanos. Tudo brotado da relação, também ela complicada, entre o criador da série, David Chase, e a sua própria progenitora.
Mas isto é apenas a ponta do iceberg que é o meta-texto de “Os Sopranos”. Ao escolher uma psicóloga como confidente/analista/comentadora/interpretadora do herói, Chase socorre-se de um recurso estilístico intemporal, o coro, e acrescenta-lhe novas dimensões. O século XX é o século da morte do divino, onde a ciência finalmente suplantou o místico, o irracional. O mundo é agora uma equação elegantemente construída e não o acaso caótico de uma vontade divina. A psique humana não é excepção. Veja-se Freud, o fundador da psicologia. Os sonhos deixaram de ser mensagens dos deuses, mas antes a manifestação subconsciente de suspeitas, desejos e frustrações. E existem muitos sonhos a ser confidenciados/analisados/comentados/interpretados nos Sopranos.
Tudo é substituído mas nunca esquecido. Aquilo que antes era uma coisa passa a ser outra, sublinhando deste modo um dos significados do século do racional e (provavelmente) as crenças do escritor. Mais uma vez a genialidade vem ao de cima.
Como este é apenas o primeiro de alguns posts sobre “Os Sopranos” não vou me alongar muito mais. Quero apenas chamar particular atenção para o capítulo número 5, “College”, onde Tony acompanha a filha, Meadow, na busca de uma Universidade. No pequeno “roadtrip” Tony vê um ex-mafioso que vendeu os segredos da família mafiosa por protecção legal e uma fuga ao estilo de vida. O que acontece a seguir sumariza de forma elegante (como é apanágio) uma das essências da série.
Por favor, não percam tempo. Comprem os DVD’s. Posso não ter dinheiro para um original de Picasso ou uma partitura de Beethoven mas posso dizer, com orgulho, que tenho “Os Sopranos” e, tal como já o disse, não creio que esta obra de arte fique atrás de qualquer uma outra imaginada por estes.
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